Assumindo as coisas - o Dragão na Janela?
Paralisando um pouco a avalanche de estrofes dos últimos dias, penso que vale tomar o controle com um aparte sobre a situação geral. Este espaço, como já começa a se tornar perigosa moda, é herdado - ou adotado, dependendo da consideração que se tenha por ele. Não foi criado por mim, o que me dá o privilégio de não ter de lhe escolher um nome e, mais importante, de explicar esse nome.
Quanto ao título propriamente dito, "Dragão na Janela", limito-me a garantir que a expressão remete a um episódio da desgastada história da incomunicabilidade humana, a qual apropriadamente não pode ser explicada por escrito com facilidade. Demandaria mais trabalho do que merecem os olhos do leitor, sem contudo esclarecer qualquer coisa além do óbvio - toda escolha é arbitrária. Anoto que pretendo mantê-lo, já que, além da prontidão, tem a vantagem de ser altamente mnemônico e, o fundamental, pretensioso apenas o suficiente.
Explico: na contemporaneidade, todos estão de acordo que um texto escrito não é em essência diferente de um sorvete, um frasco de xampu ou mesmo das próprias aparência, personalidade e preferências literárias de cada indivíduo. É, em síntese, um produto que deve ser consumido pelos demais, e que está sempre em disputa com outros produtos pelo cada vez mais escasso tempo do consumidor. Aplique-se essa tese igualmente ao sabão em pó, aos relacionamentos amorosos e às pretensões políticas, e temos já todo um livro. Dependendo do enfoque e da elegância do estilo, pode-se levá-lo à prateleira da sociologia ou à da auto-ajuda. O tipo de imagem que se deseja criar para o seu eu interior é que definirá qual das duas.
De maneira que a primeira forma de dar preponderância ao seu produto sobre os demais é, indiscutivelmente, garantir-lhe uma aparência simultaneamente chamativa e agradável. O aforismo de referência, aqui, seria "a primeira impressão é a que fica". Não se sugere, obviamente, o abandono das próprias convicções; trata-se apenas da necessidade de adaptá-las ao gosto do público, apresentá-las de maneira mais cativante - embora nunca abandonando suas verdadeiras qualidades. Nesse aspecto, quando tudo o mais parecer falso, sempre é bom lembrar: até o McDonald's desenvolveu hambúrgueres vegetarianos para conquistar o público indiano. Não por isso deixou de ser o McDonald's, e não é impossível que em alguns anos a carne bovina já possa ser introduzida tranqüilamente naquele país. De que teria adiantado lutar frontalmente contra uma cultura milenar?
A particularidade a ser anotada, no campo da literatura, é de que não convém a um autor iniciante ou desconhecido apresentar-se com a pretensão de um nome épico ou chamativo demais. O uso da palavra dragão, desacompanhado de um termo prosaico como janela, poderia ter esse efeito – e tanto pior se se adicionasse outro termo com conotações místicas, enigmáticas ou grandiloqüentes. Essa escolha poderia resultar num desastre, pois o que vale para o produto em geral - a maior exposição possível - deve ser conseguido por subterfúgios quando se lida com consumidores de cultura.
Isso ocorre porque esse tipo de consumidor não aceita imposições vazias: deseja que, no momento do consumo, o produto lhe acrescente algo de substancial, que lhe traga visões de mundo para ele consumidor novas, porém calcadas em sabedoria antiga ou profundos estudos e reflexões; o cheiro da poeira, a textura do papel envelhecido, a lista de referências do autor. O produto não pode parecer obra de tardes vazias ou, tanto pior, da necessidade do escritor de receber por seu trabalho, de sobreviver. A arte não é um trabalho. O verdadeiro artista o é por convicção, e o consumidor cultural não desperdiçará seu tempo com um produto criado para consumo. Não; ele deseja exercer sua liberdade e escolher dentre os vários autores, os quais não podem de forma alguma aparentar mirá-lo como a um consumidor. O consumidor cultural odeia sentir-se como gado, e não deve ser manejado dessa forma.
Ao contrário de estar em contradição com a tese geral apresentada, contudo, essa característica do produto cultural meramente a confirma: a questão é que assim como os indianos são milenarmente avessos à carne bovina (por razões ancestrais, hoje incorporadas a um sistema religioso já com dificuldades de adaptação à modernidade), o consumidor cultural rejeita ainda a artificialidade na sua forma pura. A bem ver, de certa forma o consumidor cultural é feminino: não quer possuir o produto - quer ser possuído por ele. E, também nesse aspecto, talvez não esteja sozinho.
É preciso abdicar então da carne: dar tintas de erudição e despretensão, transmitir a idéia de que ali há algo de intrigante, mas que não está implorando por atenção, cativando assim a curiosidade sem que nosso vegetariano se sinta invadido pela civilização alienígena. Ambiguamente grandiloqüente e prosaico, me parece que "Dragão na Janela" cumpre exemplarmente todos esses requisitos.
Partiremos daqui, portanto.
Quanto ao título propriamente dito, "Dragão na Janela", limito-me a garantir que a expressão remete a um episódio da desgastada história da incomunicabilidade humana, a qual apropriadamente não pode ser explicada por escrito com facilidade. Demandaria mais trabalho do que merecem os olhos do leitor, sem contudo esclarecer qualquer coisa além do óbvio - toda escolha é arbitrária. Anoto que pretendo mantê-lo, já que, além da prontidão, tem a vantagem de ser altamente mnemônico e, o fundamental, pretensioso apenas o suficiente.
Explico: na contemporaneidade, todos estão de acordo que um texto escrito não é em essência diferente de um sorvete, um frasco de xampu ou mesmo das próprias aparência, personalidade e preferências literárias de cada indivíduo. É, em síntese, um produto que deve ser consumido pelos demais, e que está sempre em disputa com outros produtos pelo cada vez mais escasso tempo do consumidor. Aplique-se essa tese igualmente ao sabão em pó, aos relacionamentos amorosos e às pretensões políticas, e temos já todo um livro. Dependendo do enfoque e da elegância do estilo, pode-se levá-lo à prateleira da sociologia ou à da auto-ajuda. O tipo de imagem que se deseja criar para o seu eu interior é que definirá qual das duas.
De maneira que a primeira forma de dar preponderância ao seu produto sobre os demais é, indiscutivelmente, garantir-lhe uma aparência simultaneamente chamativa e agradável. O aforismo de referência, aqui, seria "a primeira impressão é a que fica". Não se sugere, obviamente, o abandono das próprias convicções; trata-se apenas da necessidade de adaptá-las ao gosto do público, apresentá-las de maneira mais cativante - embora nunca abandonando suas verdadeiras qualidades. Nesse aspecto, quando tudo o mais parecer falso, sempre é bom lembrar: até o McDonald's desenvolveu hambúrgueres vegetarianos para conquistar o público indiano. Não por isso deixou de ser o McDonald's, e não é impossível que em alguns anos a carne bovina já possa ser introduzida tranqüilamente naquele país. De que teria adiantado lutar frontalmente contra uma cultura milenar?
A particularidade a ser anotada, no campo da literatura, é de que não convém a um autor iniciante ou desconhecido apresentar-se com a pretensão de um nome épico ou chamativo demais. O uso da palavra dragão, desacompanhado de um termo prosaico como janela, poderia ter esse efeito – e tanto pior se se adicionasse outro termo com conotações místicas, enigmáticas ou grandiloqüentes. Essa escolha poderia resultar num desastre, pois o que vale para o produto em geral - a maior exposição possível - deve ser conseguido por subterfúgios quando se lida com consumidores de cultura.
Isso ocorre porque esse tipo de consumidor não aceita imposições vazias: deseja que, no momento do consumo, o produto lhe acrescente algo de substancial, que lhe traga visões de mundo para ele consumidor novas, porém calcadas em sabedoria antiga ou profundos estudos e reflexões; o cheiro da poeira, a textura do papel envelhecido, a lista de referências do autor. O produto não pode parecer obra de tardes vazias ou, tanto pior, da necessidade do escritor de receber por seu trabalho, de sobreviver. A arte não é um trabalho. O verdadeiro artista o é por convicção, e o consumidor cultural não desperdiçará seu tempo com um produto criado para consumo. Não; ele deseja exercer sua liberdade e escolher dentre os vários autores, os quais não podem de forma alguma aparentar mirá-lo como a um consumidor. O consumidor cultural odeia sentir-se como gado, e não deve ser manejado dessa forma.
Ao contrário de estar em contradição com a tese geral apresentada, contudo, essa característica do produto cultural meramente a confirma: a questão é que assim como os indianos são milenarmente avessos à carne bovina (por razões ancestrais, hoje incorporadas a um sistema religioso já com dificuldades de adaptação à modernidade), o consumidor cultural rejeita ainda a artificialidade na sua forma pura. A bem ver, de certa forma o consumidor cultural é feminino: não quer possuir o produto - quer ser possuído por ele. E, também nesse aspecto, talvez não esteja sozinho.
É preciso abdicar então da carne: dar tintas de erudição e despretensão, transmitir a idéia de que ali há algo de intrigante, mas que não está implorando por atenção, cativando assim a curiosidade sem que nosso vegetariano se sinta invadido pela civilização alienígena. Ambiguamente grandiloqüente e prosaico, me parece que "Dragão na Janela" cumpre exemplarmente todos esses requisitos.
Partiremos daqui, portanto.
4 Comments:
Bah, ininteligível.
então
tentei responder ao seu comentário no meu próprio blog mas não consegui.
com tempo, que me anda faltando, dedicarei mais atenção ao seu e deixarei comentários... ao meu tb falta um bocado....(de atenção - e de outras coisas)
beijos
Abdiquemos então da carne: não há herbívoro mais exemplar que o gado.
bjs
Até que pra primeiro post não está tão verborrágico quanto me alertaram, só achei que não responde à pergunta: por que afinal dragão na janela?
Boa diversão com o blog
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