24.9.08

O primeiro dia

Estou destruído, mas preciso deixar satisfações. Porque daqui a alguns anos será fácil: terei sido garçom em Paris, que é tão romântico, e terei fotos (ah, tirarei fotos!) e até talvez boas histórias pra contar. Mas neste momento a vontade é não voltar mais naquele lugar.

Em termos financeiros, sejamos objetivos: sou explorado. Trabalhei 9 horas e meia, isto é, mais do que o permitido no mundo ocidental. Na sexta e no sábado, serão 11 horas e meia. Domingo e segunda não trabalho, mas isso não significa que o resto não vá somar 61 horas semanais. Pondo contudo em perspectiva: o ganho, 60 euros diários, é acompanhado de um prato do lugar (digamos, dez euros), o que dá aí uns 150 reais por dia, ou seja: em três noites de trabalho ganho um salário mínimo do Brasil. E há as gorjetas - mas hoje, por exemplo, fazendo as contas me sobrou um euro e meio. Ou seja, você é o empregado mas também é um pouco o comerciante: se enganou, é no seu bolso que pesa.

Bem, fiz um amigo que se chama Dmitri e é ucraniano: fala inglês e alemão, um pouco de espanhol, morou na Suíça e Alemanha e está cursando estudos europeus em Paris. Quer fazer um estágio ano que vem na Comissão Européia. Somos colegas de falta de sentido, embora estejamos circunstancialmente precisando da grana.

As outras pessoas são o Jean, um francês que dá raiva porque é garçom igual a gente mas se acha muito importante. Uma menina do leste europeu cujos nome e nacionalidade ainda são incógnita. E o gerente, o Christian, que se esmera em ser intratável. Na cozinha, o chef (chamamos ele de "chef") e as baixas nacionalidades: marroquino e mauritaniano. Lavando pratos, copos etc. Parece que amanhã voltará um argentino (garçom também) que será o Dmitri quando o Dmitri não estiver lá (amanhã, por exemplo).

Coisas estranhas acontecem, como o seu olhar pra meio sanduíche e muitas batatas deixadas num prato quando já é mais de meia noite e você não como desde à tarde. A raiva compartilhada com os cliente gringos pelos hábitos franceses (por exemplo, não há cinzeiros no restaurante: não é permitido ser civilizado). A previsível raiva de um grupo de brasileiros que fica batendo papo, chama conversa, pergunta de você e no fim vai embora com um abraço, protestos de estima e admiração e promessas de amor eterno, e nem um centavo de gorjeta. A vontade de se sentar depois de 8 horas de pé segurando uma bandeja. A reprimenda quando você senta (là on s'assoit pas, monsieur). O fechar o lugar depois de tudo, uma noite importante pra alguns casais, monótona pra outros, qualquer pra um grupo de amigos, fantástica pra uns turistas com câmeras profissionais. O carregar as mesas do terraço pra dentro, e então sacar por que há só uma mulher na equipe (são tão pesadas!). E o voltar pra casa acabado, e desejando apenas dar uma idéia cansada do que se passa e ir dormir.

Tenho reunião da associação de estudantes em exatamente 8 horas. Às 5, estarei lá de novo, ou seja: ao que parece, fui aceito.