29.6.08

Duas leituras

ou então : deseducando o olhar.

***

"Jamais ele havia visto aquele esplendor da pele morena, a sedução da cintura, nem aquela fineza dos dedos que a luz atravessava. Ele considerava sua caixinha de costura com estupefação, como coisa extraordinária. Quais eram seu nome, sua morada, sua vida, seu passado? Ele desejava conhecer os móveis do seu quarto, todos os vestidos que ela havia portado, as pessoas que freqüentava; e o desejo da possessão física mesma desaparecia sob uma vontade mais profunda, numa curiosidade dolorosa que não tinha limites. (p. 7)
(...)
Ele havia parado na Pont-Neuf, e, cabeça nua, peito aberto, aspirava o ar. Entretanto, ele sentia subir do fundo de si mesmo algo de incontrolável, um fluxo de ternura que o irritava, como o movimento das ondas sob seus olhos. No relógio de uma igreja, uma hora soou, lentamente, como uma voz que o tivesse chamado.
Então, ele foi tomado por um desses tremores da alma em que parece que somos transportados para um mundo superior. Uma faculdade extraordinária, cujo objeto ele desconhecia, lhe havia chegado. Perguntou-se, seriamente, se seria um grande pintor ou um grande poeta; - e decidiu-se pela pintura, pois as exigências desse ofício o aproximariam de Mme. Arnoux. Ele havia encontrado sua vocação! O objetivo de sua existência era claro agora, e o futuro infalível." (p. 59)

(Flaubert, 1869, t.l.)

***

"Vemos então o quanto é verdadeira a definição que Tylor deu da magia e que citamos mais acima: mistaking an ideal connection for a real one. Frazer a define mais ou menos nos mesmos termos:
'Os homens por erro tomaram a ordem das suas idéias pela ordem da natureza e imaginaram que, por serem capazes de exercer um controle sobre suas idéias, devem igualmente estar em condições de controlar as coisas.' (pp. 128-129)
(...)
Se é verdade que o todo-poder das idéias nos primitivos nos fornece um testemunho em favor do narcisismo, podemos tentar estabelecer um paralelo entre o desenvolvimento da maneira humana de conceber o mundo e o desenvolvimento da libido individual. Descobrimos então que tanto no tempo como no conteúdo, a fase animista corresponde ao narcisismo, a fase religiosa ao estágio da objetivação, caracterizado pela fixação da libido nos pais, enquanto que a fase científica tem seu pendor nesse estado de maturidade do indivíduo que é caracterizado pela renunciação à busca do prazer e pela subordinação da escolha do objeto exterior às conveniências e às exigências da realidade.
A arte é o único domínio em que o todo-poder das idéias se manteve até nossos dias. Na arte somente ainda acontece de um homem, atormentado pelos seus desejos, fazer alguma coisa que lhe lembre uma satisfação; e, graças à ilusão artística, esse jogo produz os mesmos efeitos afetivos que se se tratasse de algo real. É com razão que falamos da magia da arte e que comparamos um artista a um mágico. Mas essa comparação é talvez ainda mais significativa do que ela parece. A arte, que certamente não começou como 'a arte pela arte', se encontrava no início a serviço de tendências que estão hoje em dia na maior parte extintas. É permitido supor que entre essas tendências se encontrasse uma boa parte de intenções mágicas." (pp. 139-140)

(Freud, 1912-1913, t.l.)

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Perdoem o meu mau português. Por outro lado, vejam o quanto o começo do último parágrafo ficaria bonito como citação no profile!

3 Comments:

Anonymous Anônimo argúi...

fazia muito tmepo que não passava aqui

havia esquecido

voltei.

sempre bom de ler

segunda-feira, junho 30, 2008 4:23:00 PM  
Blogger Geraldo argúi...

Pois demos sorte, porque ele hibernou 60 luas antes de você voltar. Dai pergunto: coincidência?

terça-feira, julho 01, 2008 9:58:00 AM  
Blogger Carol M. argúi...

Olha só, ele voltou! Agora para ficar ou é só uma rápida aparição para instigar a platéia?
Anyway, bom apreciar as escamas do dragão novamente, ainda que do lado de cá permaneçamos muito loiras para entender certas coisas.

Bisous!


P.S: E os poemas, criatura? Manda logo.

sexta-feira, julho 04, 2008 3:31:00 PM  

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