Uma noite interessante
Vai, vocês acharam que eu não ia voltar, não é mesmo? Pois pus pra mim mesmo este point d'honneur. Fico pelo menos até sair o primeiro salário. Depois fiz minhas contas, e se eu sair deste apartamento no fim de outubro, economizo o suficiente pra viajar em novembro e até um pouco em dezembro (coisas estranhas estão acontecendo).
Então ontem voltei lá às 5 da tarde. Meu companheiro do dia se chamava Mauro e era argentino (o Dmitriy de folga nas quintas). O Jean, garçom francês, e até o chefe estavam menos intratáveis, e gosto cada vez mais dos marroquinos, banglas e mauritanianos da cozinha. O problema é mesmo a natureza do trabalho, o eterno permanecer de pé, as meias horas que se arrastam nos ponteiros do relógio da praça, a bandeja que vai se tornando mais e mais pesada, e finalmente o chegar em casa com a sensação de ter simultaneamente feito uma prova de 5 horas e jogado uma partida de rugby.
Mas ontem não foi tão mau. Já consigo fazer as coisas sozinho. Não foi tão penoso como o primeiro dia. E principalmente, apareceu lá pelas nove de uma noite meio vazia uma mesa de brasileiros bahianos, que foram praticamente meu único trabalho até a uma da manhã. Consumindo, como convêm aos BRICs, como uma dúzia de franceses cada um. E eu tendo que agradar os bons clientes sem que os chefes percebessem, com uma manteiga extra, trocando acompanhamentos, levando palitos no fim da refeição e emprestando o celular pra pegarem táxi.
Obviamente, já fui descoberto, tanto pelos brasileiros ("o que você está fazendo aqui?") quanto pela polonesa Ewelina, aquela que não fala muito ("pergunta quantas vezes ele varreu o chão na vida"). Apareceu também uma norueguesa gracinha, dessas meninas que pegam a primeira oportunidade sem nexo pra falar que têm namorado. Gosto do tipo. E ela pegou metade do "meu" horário hoje, que ia ser de onze horas. Entro às dez e saio às quatro da manhã.
No fim da noite, ainda consegui ver uns clientes que não queriam pagar discutindo no caixa, a polícia que chegou em exatamente três minutos depois de o patrão telefonar, uns sete à paisana. O líder deles deu pros caras (um casal e um amigo) a alternativa entre pagar e ir se explicar na delegacia, e, depois de eles pagarem, anunciou que iam pra delegacia assim mesmo (por ivresse publique, uma infração que aparentemente fica na manga da polícia pra quando alguém incomoda os outros). Isso uma e meia da manhã, logo antes de fechar.
Cheguei em casa cansado o suficiente pra tomar uma sopa e dormir. E talvez o mais importante: com gorjetas. E é preciso ser específico, pois, como alguém lembrou outro dia (comentando Balzac?), falar em dinheiro sem falar em valores não é falar em dinheiro. No primeiro dia, minha conta deu 601 euros, e eu tinha aproximadamente 602 no bolso. Ou seja, voltei pra casa tão pobre quanto saí. Ontem, foram 594 de giro, e contando depois as moedas que me sobraram, voltei pra casa com 20 euros a mais. Pagará a comemoração de hoje (até às 22h), pois tivemos as notas do meu Master, que já parecia tão longe. Verdade: os bahianos devem ter sido responáveis, sozinhos, por uns 15 desses 20 euros (consumiram no total 286 euros, pagaram 300). Mas sei que dá pra pegar pelo menos uma mesa dessas por semana, e virar o brasileiro de referência. Apesar de que dificilmente ficarei tantas semanas assim, lembro bem desse trecho da Fogueira das Vaidades:
"You see, Daddy didn't bake the cake, and Daddy isn't the one who gets to eat it. But he gets to slice the cake and hand it out. And when he does, little golden crumbs fall off the cake. And Daddy gets to eat those."
Ou, traduzindo, em auto-ajuda: nada como carregar bandejas de verdade um pouco na vida.
1 Comments:
No primeiro post, vc desbancou Julio Verne. No segundo, Jack London. Quem será o próximo? Mal posso esperar! Henry Miller?
O que será da norueguesa, deverá voltar? O francês com nome comum será finalmente posto em seu devido patamar? Vc descobrirá um jeito de adquirir mais gorjetas que abraços gratuitos?
Continuamos acompanhando.
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