Chamado
Maçã que fica valendo por ontem também, maior por causa disso - mostrar pro médico que não estamos de brincadeira. Uma tentativa de 2003, publicada especialmente pra Manu, que fica difamando por aí que só consigo escrever que nem advogado. Como já é trabalho, comentários sobre o universo ficam pra depois.
***
Chamado
A Charles Bukowski
virei de lado na cama para o sol parar de bater nos meus olhos mas aquela luz continuava insuportável e então abri os olhos e precisei de uns cinco minutos para entender o que estava acontecendo, e o que estava acontecendo é que havia uma BOLA DE FOGO queimando mais ou menos um metro acima da minha cama. um troço redondo do tamanho de um punho parado em pleno ar, queimando na minha frente.
o teto já estava um pouco chamuscado e eu não fazia a menor idéia de quanto tempo aquilo tinha ficado por ali e realmente não me lembrava de haver feito nada na noite anterior que pudesse de alguma forma provocar uma combustão constante no meu quarto. fiquei esperando que a coisa se mexesse, falasse comigo ou sei lá o quê pelos quinze minutos seguintes, e como não aconteceu nada só tratei de tirar os objetos inflamáveis de perto e ir tomar um banho.
fiquei pensando se aquela coisa era um sinal ou algo assim, e como não cheguei a conclusão alguma sobre aquilo resolvi procurar alguém. quase ninguém acreditaria, é claro, se eu dissesse que havia uma esfera flamejante bem no meu quarto, ainda mais porque eu morava no décimo andar e não havia nenhum motivo para uma coisa dessas aparecer a 300 metros de altura. a não ser que seja algo como um mosquito que acompanha o elevador quando logicamente ele deveria ficar maluco dentro de uma caixa que se mexe para cima e para baixo.
então a pessoa que procurei foi um padre, ou algo assim. o Rique. Rique e eu tínhamos estudado juntos no colégio, e sempre tivemos uma rivalidade porque simplesmente em meio àquele bando de merdas naquela escolinha medíocre tínhamos certeza que um de nós dois ia ser o cara que se deu bem na vida, mas que não havia espaço para dois caras daquele lugarzinho. então disputávamos em tudo por esse motivo que depois se revelou imbecil, já que os dois nos fodemos, só menos que aqueles caras que casaram antes de terminar o colégio e se condenaram a uma vida de empregos estáveis e programas de tevê apelativos.
daí que, ainda no colégio, aconteceu de eu começar a namorar essa menina e descobrir logo em seguida que o Rique era apaixonado por ela, tinha mandado cartas e tudo. nunca nem falamos sobre o assunto, e depois de um tempo a menina teve problemas com drogas e se mudou para o Peru, mas é lógico que ele nunca superou essa derrota pra mim, porque entrou para uma dessas seitas malucas com reuniões secretas e amuletos mágicos e nunca mais saiu. e eu nunca teria ido procurá-lo por qualquer motivo exceto se uma coisa absolutamente inverossímil acontecesse, por exemplo eu acordar com uma bola de fogo no meu quarto.
encontrei Rique no buraco onde funcionava a igreja deles, enfiado num vestido preto e vermelho e bebendo um negócio nojento que ele me ofereceu, e ele me pareceu realmente numa boa apesar de tudo em volta cheirar muito mal e ele parecer não comer nem ver a luz do sol há alguns dias.
quando eu entrei Rique me olhou como se eu fosse lixo e eu sabia que isso não era nenhum problema pessoal porque depois da conversão ele só olhava os outros como se fossem lixo, sempre. todo atrofiado metido num lugar nojento sem nenhuma ambição, sem conversar com ninguém exceto aquele bando de malucos que passavam o dia falando sozinhos e inventando rituais cretinos e olhava para as pessoas que estão vivendo as próprias vidas como se fossem lixo, mas eu sabia que isso não era nenhum problema pessoal então fui direto ao ponto.
"apareceu uma bola de fogo no meu quarto. em cima da minha cama. está lá desde de manhã. não faço a menor idéia do que seja, e pelo que eu sei de física essas coisas não acontecem."
Rique respirou fundo, "senta", e pareceu triunfante e compreensivo como se eu tivesse acabado de entrar de joelhos pedindo para ser salvo dos meus pecados, ou como se todos os dias ele acordasse com uma maldita bola de fogo em cima daquela esteira de palha e eu finalmente tivesse compreendido.
"escuta, eu não vim aqui atrás da sua orientação espiritual, certo? quero resolver o meu problema e você é a pessoa que eu conheço que eu imagino que possa fazer isso. você sabe que eu não acredito nessas coisas e também não tenho a menor paciência pra elas."
Rique deu mais um gole naquele negócio dele, pelos olhos estava realmente alterado e não dava pra saber se era alguma droga ou se tinha ficado assim mesmo. ficamos sentados ali uns quinze minutos enquanto ele balbuciava coisas e bebia daquele troço, até que ele se levantou e se ofereceu pra ir comigo ver o que tinha acontecido.
entramos no apartamento e a coisa ainda estava ali, Rique olhou e como se soubesse o que estava fazendo acendeu um incenso naquilo e me mandou esperar. Girava as mãos em volta do negócio e jogava pozinhos coloridos, a cena era muito mais caricata do que eu podia imaginar daquela religião dele e eu fui abrir uma cerveja. aquele dia já tinha dado no meu saco e agora eu tinha uma bola de fogo, um quarto sujo fedendo e um lunático que eu mesmo tinha levado até ali, e só queria poder beber e cair naquela cama sabendo que tudo ia se resolver e eu teria uma ressaca normal no outro dia.
depois da quinta garrafa ele parou de examinar a coisa e veio falar comigo, e disse um monte de bobagens sobre sinais místicos e Deus tentando tocar a minha alma por algum motivo, e perguntou coisas sobre minha vida pessoal. depois de mandá-lo se foder, perguntei se ele tinha algum jeito de levar aquilo embora pra tocar a alma dele, e como ele disse que não pedi pra ele ir embora que eu ia resolver sozinho.
àquela altura eu já estava extremamente irritado e tentei de todas as formas acabar com aquilo, atirei água e usei o extintor de incêndio e o cobertor, mas nada parecia abalar a coisa e tudo o que consegui foi piorar o estado do meu quarto e eu precisaria de pelo menos mais três vodcas pra conseguir dormir naquilo.
desci as escadas puto da vida, pensando em como ia fazer com toda aquela situação caótica e que se Deus existe realmente ele não faz a menor idéia de como tocar a alma das pessoas, e não tem critério de seleção absolutamente nenhum. então liguei pra uma garota que conhecia e pedi pra dormir na casa dela aquela noite, tinha tido problemas sérios no apê. não, sem polícia, nenhum problema grave, só ia parar de pagar o aluguel no dia seguinte, por justa causa.
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Chamado
A Charles Bukowski
virei de lado na cama para o sol parar de bater nos meus olhos mas aquela luz continuava insuportável e então abri os olhos e precisei de uns cinco minutos para entender o que estava acontecendo, e o que estava acontecendo é que havia uma BOLA DE FOGO queimando mais ou menos um metro acima da minha cama. um troço redondo do tamanho de um punho parado em pleno ar, queimando na minha frente.
o teto já estava um pouco chamuscado e eu não fazia a menor idéia de quanto tempo aquilo tinha ficado por ali e realmente não me lembrava de haver feito nada na noite anterior que pudesse de alguma forma provocar uma combustão constante no meu quarto. fiquei esperando que a coisa se mexesse, falasse comigo ou sei lá o quê pelos quinze minutos seguintes, e como não aconteceu nada só tratei de tirar os objetos inflamáveis de perto e ir tomar um banho.
fiquei pensando se aquela coisa era um sinal ou algo assim, e como não cheguei a conclusão alguma sobre aquilo resolvi procurar alguém. quase ninguém acreditaria, é claro, se eu dissesse que havia uma esfera flamejante bem no meu quarto, ainda mais porque eu morava no décimo andar e não havia nenhum motivo para uma coisa dessas aparecer a 300 metros de altura. a não ser que seja algo como um mosquito que acompanha o elevador quando logicamente ele deveria ficar maluco dentro de uma caixa que se mexe para cima e para baixo.
então a pessoa que procurei foi um padre, ou algo assim. o Rique. Rique e eu tínhamos estudado juntos no colégio, e sempre tivemos uma rivalidade porque simplesmente em meio àquele bando de merdas naquela escolinha medíocre tínhamos certeza que um de nós dois ia ser o cara que se deu bem na vida, mas que não havia espaço para dois caras daquele lugarzinho. então disputávamos em tudo por esse motivo que depois se revelou imbecil, já que os dois nos fodemos, só menos que aqueles caras que casaram antes de terminar o colégio e se condenaram a uma vida de empregos estáveis e programas de tevê apelativos.
daí que, ainda no colégio, aconteceu de eu começar a namorar essa menina e descobrir logo em seguida que o Rique era apaixonado por ela, tinha mandado cartas e tudo. nunca nem falamos sobre o assunto, e depois de um tempo a menina teve problemas com drogas e se mudou para o Peru, mas é lógico que ele nunca superou essa derrota pra mim, porque entrou para uma dessas seitas malucas com reuniões secretas e amuletos mágicos e nunca mais saiu. e eu nunca teria ido procurá-lo por qualquer motivo exceto se uma coisa absolutamente inverossímil acontecesse, por exemplo eu acordar com uma bola de fogo no meu quarto.
encontrei Rique no buraco onde funcionava a igreja deles, enfiado num vestido preto e vermelho e bebendo um negócio nojento que ele me ofereceu, e ele me pareceu realmente numa boa apesar de tudo em volta cheirar muito mal e ele parecer não comer nem ver a luz do sol há alguns dias.
quando eu entrei Rique me olhou como se eu fosse lixo e eu sabia que isso não era nenhum problema pessoal porque depois da conversão ele só olhava os outros como se fossem lixo, sempre. todo atrofiado metido num lugar nojento sem nenhuma ambição, sem conversar com ninguém exceto aquele bando de malucos que passavam o dia falando sozinhos e inventando rituais cretinos e olhava para as pessoas que estão vivendo as próprias vidas como se fossem lixo, mas eu sabia que isso não era nenhum problema pessoal então fui direto ao ponto.
"apareceu uma bola de fogo no meu quarto. em cima da minha cama. está lá desde de manhã. não faço a menor idéia do que seja, e pelo que eu sei de física essas coisas não acontecem."
Rique respirou fundo, "senta", e pareceu triunfante e compreensivo como se eu tivesse acabado de entrar de joelhos pedindo para ser salvo dos meus pecados, ou como se todos os dias ele acordasse com uma maldita bola de fogo em cima daquela esteira de palha e eu finalmente tivesse compreendido.
"escuta, eu não vim aqui atrás da sua orientação espiritual, certo? quero resolver o meu problema e você é a pessoa que eu conheço que eu imagino que possa fazer isso. você sabe que eu não acredito nessas coisas e também não tenho a menor paciência pra elas."
Rique deu mais um gole naquele negócio dele, pelos olhos estava realmente alterado e não dava pra saber se era alguma droga ou se tinha ficado assim mesmo. ficamos sentados ali uns quinze minutos enquanto ele balbuciava coisas e bebia daquele troço, até que ele se levantou e se ofereceu pra ir comigo ver o que tinha acontecido.
entramos no apartamento e a coisa ainda estava ali, Rique olhou e como se soubesse o que estava fazendo acendeu um incenso naquilo e me mandou esperar. Girava as mãos em volta do negócio e jogava pozinhos coloridos, a cena era muito mais caricata do que eu podia imaginar daquela religião dele e eu fui abrir uma cerveja. aquele dia já tinha dado no meu saco e agora eu tinha uma bola de fogo, um quarto sujo fedendo e um lunático que eu mesmo tinha levado até ali, e só queria poder beber e cair naquela cama sabendo que tudo ia se resolver e eu teria uma ressaca normal no outro dia.
depois da quinta garrafa ele parou de examinar a coisa e veio falar comigo, e disse um monte de bobagens sobre sinais místicos e Deus tentando tocar a minha alma por algum motivo, e perguntou coisas sobre minha vida pessoal. depois de mandá-lo se foder, perguntei se ele tinha algum jeito de levar aquilo embora pra tocar a alma dele, e como ele disse que não pedi pra ele ir embora que eu ia resolver sozinho.
àquela altura eu já estava extremamente irritado e tentei de todas as formas acabar com aquilo, atirei água e usei o extintor de incêndio e o cobertor, mas nada parecia abalar a coisa e tudo o que consegui foi piorar o estado do meu quarto e eu precisaria de pelo menos mais três vodcas pra conseguir dormir naquilo.
desci as escadas puto da vida, pensando em como ia fazer com toda aquela situação caótica e que se Deus existe realmente ele não faz a menor idéia de como tocar a alma das pessoas, e não tem critério de seleção absolutamente nenhum. então liguei pra uma garota que conhecia e pedi pra dormir na casa dela aquela noite, tinha tido problemas sérios no apê. não, sem polícia, nenhum problema grave, só ia parar de pagar o aluguel no dia seguinte, por justa causa.
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6 Comments:
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
É, acho que eu tô tentando atrair jogadores de RPG...
oi, gg!
olha só - achei bem construído e tudo.
dá (i) para trabalhar bem melhor a linguagem, ok, tá on line, mas dá para ficar mais engraçado, (ii) sei lá, pode tudo ser meio bizarro mesmo - achei o narrador muito bem construído, porém acho que vc deveria é zoar o narrador, que no fundo é um puta imbecil também. faltou isso, pois parece que o cara que tá pouco se fudendo para o mundo é um descolado gente fina.
e eu sei que não é.
besitos, continua.
Oieeeeeeeeeeee GG advogado atacando de contador! Muito bom!
Continue contando!
Agora lá vai:
1 - Thanks pela dedication! Vc é foda.
2 - É muito engraçado ler esse texto pq ele obedece exatamente o seu rítmo de fala. Frases curtas com pontos finais BEEEEM sonoros. Parágrafos grandes. Muito bom.
3 - O conto ta legal e entra muito bem na loucura que vivemos hj em dia. De alguma forma me lembrou um daqueles episodios de seriado americano, com um asshole mal resolvido falando foda-se pra tudo aquilo que não entende. bem a cara na nossa geração mesmo que parece não saber se colocar num ponto entre os extremos de ser completamente escroto e de ser suuuuuuuuuuuuuuuper irritantemente simpático.
Acho que é uma bola dentro. GOSTEI DO RITMO!
é, amei o ritmo. Mas acredito que as ideias precisam ser mais 'accurateadas´ -- eis o GG advogado em açao!
Quem conta um conto aumenta um ponto. Aumente mais, continue contando. Agrada. E muito.
Besitos a ti!
Manu
Mudou o título, só não entedi o sentido de chamado. Gosto desse conto, só acho que faltam mais elementos de coesão pra deixar mais redondinho. Tudo bem que tem essa liguagem beat, mas acho queele ainda podia ser enriquecido. Não me pergunte como.
Abraço
Não mudou o título não, vê na FNX.
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