30.9.08

La creazione dell'uomo

Ontem, segunda-feira, devia ter sido meu último dia de trabalho no La Contrescarpe. Não foi.

Às vezes precisamos dos liberais, que nos lembram como é que as coisas são. O objetivo do meu comparecimento na segunda era digamos para ajudar, porque terça e quarta eram minhas folgas previstas e minha partida eu só a havia anunciado no domingo quando todas as cadeiras já haviam sido colocadas sobre as mesas. E evidentemente eles teriam tempo de arrumar um substituto até a quinta-feira mas não diretamente na segunda. Aí surgiu um evento muito mais interessante e importante e eu estava triste, melhor dizendo indecidido, porque tinha verdadeiramente me comprometido a dar essa ajudinha final.

Pois fui lembrado que nossas relações não se passam num meio de ajuda mútua, de confiança e respeito. Estamos, nós ao sul das Guianas, muito mais acostumados, mais confortáveis até, com a relação de autoridade, de complementaridade, e alguns usariam até palavras mais fortes. Porém aqui impera exatamente o contrário: o encontro entre induvíduos na igualdade absoluta, isto é, a ausência total de autoridade, e é claro que por causa disso o poder se apresenta na sua forma mais nua, e se exerce sem motivação nem consideranda. Autrement dit, estamos no mercado. Eu havia vendido minha força de trabalho, eles a tinham comprado - não havia nada mais que nos ligasse. Como cães que acabam de copular e, diante de um único bife, estão apenas seguindo seus instintos ao se estraçalhar pelo alimento. O mais forte vencerá, e será doloroso e comovente, mas a espécie sairá ganhando. Mas eu não, eu estava ali, preso como mesmo com os cães às vezes acontece, e como que fisicamente impedido de avançar contra o meu parceiro de há tão pouco, tão pouco. E, evidentemente, essa fraqueza é tão indesejável, do ponto de vista da coletividade, quanto ter as patinhas dianteiras atrofiadas.

A diferença é que, ao contrário da atrofia física, a atrofia moral - e me desculpem se sôo oitocentista - é remediável. Pois foi aí que meu liberal particular me abriu os olhos: finda a relação de colaboração, eu é que tinha o poder (vous avez le droit, eles dizem) de simplesmente não aparecer. E foi o que fiz. Não sem alguns deslizes: telefonar avisando, ainda uma medida de cortesia, mas principalmente inventar ao telefone uma desculpa de saúde, um braço distendido e a impossibilidade de ajudar. Traindo o quanto de cana-de-açúcar nosotros levamos en la sangre.

Hoje, passei ao lado e cobri a cabeça para não ser reconhecido.

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2 Comments:

Anonymous Anônimo argúi...

Puta madre, então foi assim!

Pois você vai ter que cobrir a cabeça também quando for aparecer por aqui, ou então espere a hora em que eu estiver já na quarta, quinta cachaça, e talvez assim também não te reconheça!

Ah, a democracia!

terça-feira, setembro 30, 2008 11:31:00 PM  
Blogger Fábio Aristimunho argúi...

Que rodeio retórico-filosófico pra mal disfarçar um migué.

Abraço

quarta-feira, outubro 01, 2008 1:22:00 AM  

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