3.10.08

Das coincidências

Ontem à noite saí com o ucraniano Dmitriy, ele queria saber sobre isso de associações estudantis e tal. Ele não me ligou até as oito como tinha dito, então fui pra casa e estava na cama lendo quando ele me telefona, umas nove e meia, e fala que vai prum bar com um amigo. Digo que não, que estou lendo e vou dormir, mas depois perco o sono e saio de casa pra ir num lugar que se chama Le Sympatique. Estão lá o Dmitriy, o amigo marroquino Amin e a irmã do Dmitriy, Lena. Ficamos mais um pouco e a Lena precisa ir pra trabalhar, então ela vai pra casa e logo depois nós três saímos.

O Amin quer ir no La Contrescarpe, onde o Dmitriy passa 9h de um dia normal. Ele não se opõe então vou seguindo mas quando chegamos digo que não tenho muita vontade de voltar lá, e o Amin diz que entende e então vamos para um lugarzinho libanês com sanduíches. Comemos e discutimos sobre como eu poderia passar por um marroquino mas não o Dmitriy e os dois poderiam passar por brasileiros, eles perguntam um pouco sobre raças e classes sociais no Brasil e o Amin precisa ir, então vamos com ele até a Place Monge, não sem antes passar no La Contrescarpe e conversar com o Mauro, aquele outro garçom, argentino que sonha em ser músico mas ainda tem de servir mesas mais duas horas do dia. De dentro do restaurante sai um garçom novo que não conhecemos e faz cara de curioso mas não vem conversar.

Vamos até a praça Monge e proponho ao Dmitriy ir tomar cerveja em casa por um quinto do preço de um bar. Compramos cerveja, ele diz que sua casa é mais perto e a única coisa é que sua irmã estará lá. Ele liga pra ela e falam francês, eu pergunto se sempre falam em francês entre si e ele me responde que sim, que a língua materna deles é russo mas que falam francês. Então falamos sobre a mãe que é contadora e está vindo morar com eles, e sobre como é morar com os pais e ele parece animado e dizendo que irá comprar um sofá-cama e que já calculou mesmo tudo, e eu digo que é a mãe que está vindo morar na casa deles e não o contrário.

Ficamos um pouco no banco do Boulevard Arago enquanto a Lena se prepara, pois ela acabava de sair do banho. Entramos no prédio, o apartamento é no térreo à direita, tem um banheiro e depois um só cômodo de uns 20m²: uma pequena cozinha na lateral, duas mesinhas de trabalho, muitas malas, roupa e livros, e uma escada para a cama-mezanino, onde não é nem mesmo possível ficar de joelhos. Ele me mostra os quatro metros quadrados centrais do cômodo onde ele pretende instalar o sofá-cama para a mãe, e explica que assim ela poderá ter uma cama só pra ela. Olho em volta e pergunto interessado se os dois dormem na cama-mezanino e ele diz que sim, mas que a Lena tem um namorado e quando ele precisa ele telefona e ela dorme na casa do namorado, e ela ri e responde que quando a mãe vier provavelmente ela vai dormir bem pouco em casa. Digo que o apartamento realmente é bom pelo preço e o Dmitriy me explica que demorou um pouco pra achá-lo e que dormiu na rua três dias antes disso, que passava as noites numa lanhouse, as manhãs procurando apartamento e dormia à tarde no metrô, onde é mais quente. Então quando chegou ao apartamento viu que era perfeito.

A Lena precisa trabalhar, de forma que pegamos nossas garrafas de cerveja, subimos a escada e ficamos sentados no colchão do mezanino, eles têm um gato que tem medo de mim mas está curioso e abrimos uma caixa de umas frutas que não conheço. Ele então pergunta da associação, explico como era na minha faculdade no Brasil e como é na Sorbonne, e ele me mostra que já pegou os e-mails de toda a sala e está mesmo empenhado, vai criar um grupo de e-mails ainda esta noite. Então ele pergunta sobre o Brasil, e sobre quão pobre é a população e respondo que a miséria é difícil de medir, que as pessoas no campo têm menos dinheiro mas podem até viver melhor e que nas cidades é mais complicado, mas há gente pobre que mora num lugar do tamanho do cômodo em que eles vivem, e ele pergunta se em várias pessoas e eu confirmo que em várias pessoas.

Falamos um pouco do Lula e da Revolução Laranja e ele me explica que quer aproveitar que a Ucrânia fica na Europa pra conseguir um estágio, talvez até na Comissão Européia, ele fala inglês e alemão e está tendo aulas de espanhol, e eu falo sobre como funciona a OMC e ele diz que também pensou nisso pois a Ucrânia agora está na OMC. Ele explica que não fala ucraniano muito bem e que a língua materna dele é mesmo russo então precisaria se esforçar, e eu respondo que na OMC provavelmente ele quase não falará ucraniano e que o mais importante pode ser a língua materna ser russo pois não deve haver muitos não-russos que falam tão bem assim o russo e a Rússia está em processo de acessão. Então ele diz que tudo o que quer é garantir que não trabalhará como garçom no ano que vem pois já está no terceiro ano de faculdade e não quer fazer isso a vida toda.

É tarde e o Dmitriy ainda precisa digitar a lista de e-mails dos colegas da sala, então saio, pego uma bicicleta e aproveito o horário pra voltar pra casa num atalho que é contramão. Levo pensamentos estranhos na cabeça.

1 Comments:

Blogger Francisco Castro argúi...

Olá, gostei muito do seu blog. Ele é muito bom.

Parabéns!

Um abraço

sexta-feira, outubro 03, 2008 8:20:00 AM  

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