22.12.06

Predestinação

Disse aqui outro dia que precisava de um post só pra ele o prefácio do Mário de Andrade ao livro de estréia do meu avô, Predestinação - que o Paulo Ferraz acha que podia bem se chamar Prestidigitação, com um pequeno ganho. A história é que o estudante Geraldo Vidigal, 22, encontrava-se na Itália em 1944, assim como vários outros estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco - não por coincidência: por serem conhecidos agitadores anti-getulistas. Outros tempos, em que o interêsse nacional era debatido sem que as partes levantassem uma HP 12C sequer.

Acho que os dois últimos parágrafos são o que pega, mas vejo agora que tem utrecho anterior que, engraçado, dialoga com o último post:

"Alegria não agüentou mais. Levou o trompaço da vida. Já viveu a experiência do Nove de Novembro anterior, e viu ao seu lado um colega morrer assassinado. E a visagem da guerra na Europa já o predestinara nos ecos amargos dos Urais, no Vesúvio, na Mancha; e em janeiro dêste ano o poeta pulara da cama, alertado ao clarim do Sargento Negro. Geraldo se prepara pra partir, vestido de soldado. E num de seus poemas mais recentes, escrito já na Itália, 'diante do mundo que se desatina', êle se dá êste conselho desolado:

"Pensa melhor! Guarda as estrêlas
Que doidamente malbaratas!
Não mostres a alma das cascatas
A quem não pode compreendê-las".

Mostra, Geraldo, mostra sim a alma das cascatas aos homens. Quando mais não seja, como uma recusa clamorosa ao mundo que vai por aí.
(...)
Geraldo Vidigal é mais um exemplo de que êsse mundo está errado. O jovem poeta poderá ser sacrificado por causa disso. Uma esperança promissora poderá se transformar apenas num 'eco amargo'. A ferocidade atual das guerras tem mais isso de inconsolável que tanto mais se mecanizam, mais exigem moços, bem moços, donos de corpos virgens que possam resistir à brutalidade da máquina. Já se foi o tempo em que pra guerreiro se escolhiam quarentões escolados, gente da idade egoísta que não expõe a vida à toa. Hoje as guerras pedem o soldado novo, gente da idade generosa que troca a vida por uma flor vermelha na testa. Monsieur Malbrouch não vai à guerra mais. Vai-lhe o pajem, que não trará consôlo às castelãs.

Geraldo Vidigal é mais um exemplo de que êsse mundo está errado. Mas quem não sabe disso! Sabem disso até os donos da vida que o querem e fazem assim errado, em seu proveito pessoal. Só que Geraldo Vidigal é um exemplo insuportável disso. Porque é um poeta.”

E aí, o Mário é foda ou não?

4 Comments:

Anonymous Anônimo argúi...

sem querer caí aqui, gostei, depois volto, adorei o manifesto, lancei um em agosto (http://www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=1621), ficou legal, se puder visitar, grandes abraços e feliz natal...

domingo, dezembro 24, 2006 6:23:00 PM  
Anonymous Anônimo argúi...

Pois é, os Donos da Vida, adoro essa expressão dele.

sexta-feira, dezembro 29, 2006 11:31:00 AM  
Anonymous Anônimo argúi...

Olha que interessante que achei a respeito: [Do programa Ensaio de 31.3.1992, com Paulo Vanzolini, agora constante do quarto volume da coleção (com título já desatualizado) "A música brasileira deste século por seus autores e intérpretes" (o SESC não poderia ter editado isso com um título mais curtinho e perene?)]
_ Chiquinho é uma coisa muito engraçada porque eu era amigo dos filhos e do pai, amizades separadas. Era o dr. Alcides Vidigal e os filhos dele, Geraldo e Marcelo, que são meus grandes amigos até hoje. Eles são parentes de Maria Amélia Buarque de Holanda. Quando o Serjão veio para diretor do Museu do Ipiranga, meu vizinho, eu fiquei amigo da família e ia quase toda noite na Haddock Lobo, na casa deles, pra cantar samba junto com Maria Amélia, pra bater papo e chupar a sabedoria de Serjão. Nesse tempo, o Chico tinha dois anos de idade. Isso é em 1946, seu Francisco nasceu em 1944. Miúcha tinha nove. Cristininha não era nascida. Maria Amélia estava esperando Maria do
Carmo. Como eu tinha saído da cavalaria nesse tempo, tudo pra mim era Paraguai. Então dizia: "Estamos esperando a paraguaia". Aí fiquei amigo e é uma das amizades que eu mais prezo. É uma família em que ninguém deu errado, uma coisa incrível. Cristininha, você sabe que essa mamou o leite desse peito, por isso eu tenho o peito chato! cf. http://www.samba-choro.com.br/s-c/tribuna/samba-choro.0105/1242.html
E mais: Não são muitas nem poucas as famílias de escritores no Brasil, nossas dinastias literárias. Lembremos apenas algumas delas: Alphonsus de Guimaraens, seu filho Alphonsus mais seu neto Afonso Henrique; Graciliano Ramos, seu filho Ricardo e seu neto Ricardo Ramos Filho; Da Costa e Silva e seu filho Alberto; da linhagem de Américo Facó, Eurico Facó, Raquel de Queiroz e Geraldo Vidigal, eis Betty Vidigal; "in" Jornal da UBE; cf. http://200.189.113.123/diaadia/diadia/arquivos/File/conteudo/veiculos_de_comunicacao/OES/OES0310105/0310105_10.PDF?PHPSESSID=e17c96470fcaa22780588a306128d7b0

segunda-feira, março 24, 2008 4:24:00 PM  
Anonymous Anônimo argúi...

oi, Gezinho, procurando um treco caí aqui! Tão magnificamente escrito, eu tava pensando "quem será o escritor?" --- e então li "meu avô"! só aí saquei q o blog é seu!

Não entro em blogs deliberadamente: qdo caio num, é sempre por acaso. Assim, é raro ler os de amigos e/ou conhecidos, leio com maior freqüência os de estranhos, qdo falam no q tou pesquisando.

adorei, menino!

BJS!

quinta-feira, maio 15, 2008 9:53:00 AM  

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