Bocage - uma tradução
Como há algum tempo fazem no Medianeiro, no De novo nada e no Fóton, arrisco uma tradução - excelente maneira de botar um pouco do gosto dos outros na própria dicção. A língua de escolha foi o francês, mas fiz ao contrário, ou seja, a chamada versão (são coisas diferentes).
Escolhi Bocage, poeta árcade português; um poema tranqüilo, pequeno e meio famoso: Nariz, Nariz e Nariz, que vale a pena pra quem não conhece. É satírico e, diz-se, dedicado ao Nariz do Rei de Portugal - e o poeta teria passado algum tempo preso por 'heresia' por conta dessas linhas (sabemos bem que preso político dificilmente vai pra cadeia assim, na cara, vide o Sadã). Anoto que, como não encontro na rede nenhuma referência a essa história do Rei, não há presunção de verdade. Se existe, devia estar na net (agora está). Informações (e reparos) são bem-vindas!
***
Le Nez, le Nez et le Nez
Le nez, le nez, et le nez,
Le nez, qui finit jamais ;
Le nez, qui s’il s’abattait,
Ferait le monde malheureux ;
Ce nez, Newton ne voulait
Lui décrire la diagonale ;
Un nez à masse infernale
Dont la grandeur sans pareil
Mise entre Terre et Soleil
Ferait éclipse total !
Manuel Maria Barbosa du Bocage, trad. minha
***
Nariz, Nariz e Nariz
Nariz, nariz, e nariz,
Nariz, que nunca se acaba;
Nariz, que se ele desaba,
Fará o mundo infeliz;
Nariz, que Newton não quis
Descrever-lhe a diagonal;
Nariz de massa infernal,
Que, se o cálculo não erra,
Posto entre o Sol e a Terra,
Faria eclipse total!
Manuel Maria Barbosa du Bocage
***
Curiosidade: quando altero o idioma do Word pra francês, toda a pontuação, afora as vírgulas e os pontos finais, passa a vir automaticamente precedida de um espaço. Interessante: sempre achei que fosse um daqueles erros 'normais', derivados da ignorância, a colocação de espaços antes da pontuação. Agora que sei que é galicismo, talvez comece a praticar ; que tal?
6 Comments:
adorei, dei muita risada.
fracofilia zero, mas dou meu incentivo.
beijinhos
Olha só, versatilidades dragonísticas vindo à tona!
Divertido, Gê, pena que não manjo lhufas de francês.
Besitos!
Boa tradução, só nem tinha idéia que Newton é anterior a Bocage.
Bom, GG, muito bom. E sim, o word faz isso, sei lá por que os franceses dão esse espaço ; abraços !
1. cf. imagem de Da. Maria I, a Louca, na então mais liberal dicção brasileira, ou a Piedosa, naquela mais prudentemente utilizada terras em terras lusitanas (http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:27-_Rainha_reinante_D._Maria_I_-_A_Louca.jpg).
tens razão: não se tratou de ofensa ao rei. à rainha, sim
morto o papi do futuro D. João VI, durante perto de 30 anos mandava ela absolutamente, à época de Bocage
mesmo com o real retrato gentilmente retocado e disfarçando o apêndice, parece que manuel tinha lá seus motivos
como ao Cyrano da ficação, à real, real, real, Da. Maria I de Portugal não sabiam bem tais jocosas alegorias arcadianamente espirradas por manuel
2. o arcádico manuel metera o nariz onde não devia
foi posto a ferros pelo intendente de polícia, alegadamente por violação aos costumes
mas isso é lição pequena
daí é encaminhado aos calabouços da sacrossantérrima inquisição, donde escapa para ser enviado ao hospício
4. conseguindo escapar dessa, manuelito torna-se exemplar membro da real sociedade lisboeta:
"Já Bocage não sou!…
À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento…
Eu aos céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.
(…)"
5. manuel mudou o comportamento e principiou a trabalhar em sério, e para um frade brasileiro politicamente bem situado (pois errar é humano, mas persisitir...) e depois, trabalhar sustenta um poquito melhor do que versejar a ferros, onde se não é ouvido a não ser pelos torturadores e guardas, os quais o supliciariam mais para que cessassem os urros, fossem de dor física ou moral, usuais em calabouços da muy gentil e santa Inquisição
6. conheço essa poesia apenas por via de tradição oral
quer me parecer que o verbo repetido em tempos distintos ao final do primeiro e do último verso, não é coisa de Bocage.
curiosamente, a tradução para o francês, vossa, corrige o erro que em português parece que manuel teria cometido, recolocando, agora a ambos os verbos, no Pretérito Mais-que-Perfeito
essa, a traduzida, a forma, correta, na qual a ouvi e aprendi em língua patria
Googlei o poema de Bocage sobre o nariz (havia sido recitado por um professor de literatura em Salvador em 1982) e terminei achando sua tradução elegante e metrificada.
Abraço.
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