29.10.08

O que é difícil

(uma nota p.s. que vai antes. Acabo de inventar um antigo adágio, que diz que é fácil dizer coisas fáceis; difícil é dizer as difíceis. Ocorreu-me porque o que segue é uma tentativa, como vêm sendo as tentativas, de largar as estrelas, os dedinhos viscosos que brotam de antigas histórias e uma pulsão de alaranjados sobre laranja que não dizem nada, e buscar algo bem mais próximo ao chão - mas apenas como alguém que estivesse andando pela rua com seu iPhone e seus livros da Cosac Naify e fosse subitamente golpeado por um andaime.)

Tive uma revelação muito importante num desses dias. É que esteve em casa um amigo involuntário, que provavelmente prefere ser mantido no anonimato, e como com freqüência acontece descambamos para a literatura. E aí, como quase sempre acontece, tem aquele momento desagradável em que você fala que escreve umas coisas aí e a pessoa fica em dúvida se pede ou não pra ler, pra ouvir - e, é importante, estávamos talvez na segunda garrafa de vinho já, de forma que ele pediu pra ouvir, o que eu tivesse de melhor.

Li duas ou três coisas e ele pediu autorização pra ser sincero e, antes que eu pudesse decidir se autorizava ou não disse que era uma bosta, que pedia desculpas mas que era uma bosta. E é claro que isso nunca é simples de se ouvir, mesmo quando se tem o tal ego à prova de balas que passamos 5 anos desenvolvendo. Porque tenho pra mim a ilusão de que é preciso que as pessoas gostem pra que eu finalmente tenha a coragem de chegar em 2011 e publicar o Caçador. E embora a peer review que eu tenho seja até razoável, quando alguém que leu bastante na vida vem e diz que acha uma bosta você é obrigado a pensar no assunto e se vale a pena gastar tempo e dinheiro com isso quando pode, sei lá, trabalhar pra comprar uma casa na represa.

O que conecto - e isso, desculpem agora vocês, não faz o menor sentido por enquanto - com uma conversa que tive uma vez com o Alan e que não me sai da cabeça e em que ele disse: a questão é que o Brasil tem um futuro, vocês têm essa perspectiva do Brasil-potência, e a Guatemala não tem nada. É isso, quer dizer, temos algo a perder, e um futuro de locomotiva que fica evidente quando se tem informação por outros veículos que não a imprensa paulista. E o Alan agora está morando em São Paulo, onde a Linha 4 ficará pronta para a Copa de 2014, e talvez até o trem-bala.

Mas o mais significativo sobre esse Brasil-potência que o Alan identificou pouco antes de conhecer o Capão Redondo é que a potência não faz a menor idéia do que deseja. Quer dizer, os europeus levam muito a sério sua tarefa civilizatória e a maior ambição da alemã que conheci ontem é civilizar a França. Os americanos estão lá com seus helicópteros iluministas difundindo os valores dos pais fundadores, enquanto russos e chineses pensam: é preciso retomar nosso império, temos apenas que segurar as paredes tempo o suficiente para que a casa de máquinas se abra e nossos rapazes tomem conta dela como já fizeram tantas outras vezes. Desconfio que até os indianos têm um plano maravilhoso sobre o que fazer com o mundo quando ficar demonstrada a inviabilidade da sociedade laica.

O Brasil, porém, não faz a mínima idéia do que deseja fazer com todos os seus quilômetros quadrados, toda a sua porcentagem de água e inclusive com sua democracia racial incompleta. E "incompleta" é uma palavra que ocupa exatamente a fenda que eu estava procurando, na verdade, porque certamente nenhum brasileiro recomendaria a outro país que adote qualquer coisa semelhante ao que criamos. E o "criamos" aqui parece deslocado, na verdade, tendo em vista que não temos a menor sensação de ter criado nada, ou mesmo de sermos capazes de escolher uma alternativa e seguir pela estrada que ela abre. Um professor uma vez fez uma observação precisa, sobre um assunto outro: quando chega no Brasil, já é teoria mista.

Me aproprio então do discurso do Pasta, que transformou uma vez o Brás Cubas fantasma numa espécie de alegoria do Brasil - opinião sobre a qual Brás Cubas escreveria bem uns dois capítulos -, pra perguntar em seguida se a essência da sociedade brasileira não é exatamente de ser essa que, como o defunto autor, avança, mas não supera. Ou seja, é como se fosse uma sociedade que nunca se forma, como um universitário que nunca se forma, e continua sempre com umas matérias por fazer, e isso apesar de galgar postos mais e mais avançados. Só completa o ciclo sob forças externas.

Não levem a sério isso que vai acima, evidentemente: não é o momento de um discurso sobre a reforma agrária ou a questão racial ou o direito do consumidor avançadíssimo, muito mais que na França e talvez qualquer país do continente. Não é um discurso sobre eleições e sexualidade, também, pois esse tipo de novidade há coisa de quinze anos não é novidade. Esta bagunça, afinal de contas, deve ter um centro discernível, que é a literatura, ou ao menos foi o fardo que alguém - o snoop? - colocou nesse subtítulo no qual eu nunca me dei ao trabalho de mexer, e que aliás as circunstâncias cuidaram de tornar ainda mais apropriado do que ele já era quando da confecção do presente.

E a pergunta é se têm algum valor nossas buscas pela abolição dos índios na literatura brasileira, como pediu o Vicente. Ou nossas tentativas de voltarmos a ser bregas, quando todo o problema é que nunca fomos bregas, apenas quando entramos na sala alguém nos disse que era possível que houvéssemos sido. Como abolir o espaço ou a forma que nunca estiveram sob nosso controle? O problema da revolta não é, como gostaríamos, a falta de armas, mas a absoluta elasticidade dos muros, prontos a se transformar em poltronas assim que desejarmos descansar um pouco. Acho cada vez mais difícil não concordar com o ridículo das tentativas de arrebentar com a porta que se abrirá automaticamente assim que nos aproximarmos dela a 200 km por hora, quando então nos encontraremos em meio ao salão e nos perguntarão se desejamos vinho ou champanhe. Ou, alternativamente, seremos congratulados por aquela voz abafada que diz: obrigado, volte sempre!

Colocado de forma mais crua: no nuevo século latinoamericano, nesse Brasil do sebastianismo invertido que simplesmente não chegará, nada está determinado, nenhuma escolha foi feita, mas todas as portas parecem assustadoramente abertas e todos os bilhetes já foram reservados e os lugares escolhidos. À medida em que ultrapassamos as comportas, vamos concluindo que não trouxemos nada do material com que pensávamos avaliar o que há para além dessas comportas. Nos limitaremos a observar deslumbrados, e adaptar os nomes quando voltarmos para contar como foi.

Não tenho como justificar isso. Mas, diante da perspectiva de um retorno duplo, talvez triplo, de uma missão em que descobri, para além das comportas que nunca me prenderam, o grande vazio de Kaspar Hauser, começo a acreditar que talvez ainda caiba à literatura a suja tarefa do romantismo.

21.10.08

Do outro lado



18.10.08

Uma proposta

(escrevo de um teclado extranjero, que todavia no fue submetido a minha tropicalizaciòn)

A vezes me sinto mal por no ser propositivo o bastante. Afinal, como sabemos, no es suficiente apontar todas as imperfecciones e todos os sem-sentido e todas as falsidades de um modelo determinado se no formos capazes de apresentar uma alternativa viàvel - normalmente, na opiniòn de alguém que ya decidiu que no hay uma alternativa viàvel.

Vou me concentrar num pequeno problema - na verdade, enorme e extensible a todo o resto do espetàculo - de algumas peças a que assisti: a incapacidade, verdadeiramente transatlàntica, dos atores para interpretar crianças.

Pois no sei se ustedes ja repararam. Se no repararam, parem pra reparar, preferencialmente num ambiente pùblico como uma praça ou um omnibus, e numa criança que no suspeite de estar sendo objeto de um estudo. Es que crianças se comportam ao menos noventa por cento do tempo, e eu diria mesmo cem por cento do tempo, bastante diferente de adultos imitando crianças. Elas no tienem um olhar vago como alguém incapaz de focar ou que temesse ser observado, mas ao contràrio, olham direta e demoradamente para aquilo que lhes interessa e isso mesmo quando isso é um outro ser humano em estado deprimente ou ameaçador: o desviar o olhar é que é o aprendido. Também no tienen um sorriso neutro na face nem ficam arregalando os olhos como quem estivesse imitando um balòn inflado. E principalmente no caminham em saltitos, com as pernas afastadas nem cambaleando de um lado a outro - esquece os joelhos, levanta e anda.

Correndo o risco de passar uma mà impressiòn como a daquele critico inglés que faz a apologia do Bob Dylan enquanto poeta, darei como o exemplo de boa interpretaciòn infantil a dos atores de Chavo del Ocho. Estàn eretos e andam normalmente como crianças sem defeitos andam normalmente, no fazem voz de falsete e nem dàn entonaciones extranhas às suas frases. No necessitam fingir-se menores como crianças do que son como atores, nem hacer cara de idiotas, para que saibamos - todos - que estào ali representadas pessoas pequenas.

O que distingue uns de outros, entào? No teatro, eu diria primeiro o avassalador das emociones quando essas se apresentam: a criança no caminha entristecida, mas se senta e chora. E no pega no ombro mas corre e abraça. Depois e relacionado, um ocupar-se plenamente do brinquedo, do alimento, do jogo, de um ferimento - do presente. Terceiro, o olhar curioso da criança, que no se dirige indistintamente a todo o mundo que a cerca como se estivesse permanentemente entrando num parque de diversiones, mas se concentra sobre pequenas coisas e se fascina com elas como a adultos sòbrios em situaciones sociais é absolutamente proibido.

No posso me deter demais sobre o olhar da criança: olhar tenho o meu, me basta e na verdade quase que no cabe em mim. No saberia transmiti-lo. Mas hay quem saiba, e recomendo pra isso um certo Picasso ya na idade em que se pode sem risco de reprimendas montar num cavalo magro, tomar um làpis na mano e sair a reparar o mundo.

O que vem como no tronco de tudo isso entretanto, e tento trazer em palavras, é o esquecimento: a capacidade da criança de, a cada segundo, no carregar consigo nem um pequeno totem, nenhuma lembrança, nenhum souvenir do que anos atràs a feriu, nem considerar como cada movimento a deixarà mais preparada para o pròximo combate.

Apenas deixar que eles cheguem, e entào fazer o melhor que pudermos.

13.10.08

Sinto falta

Há muitas coisas de que sinto falta, de que manco mesmo. Uma delas são amigos ranzinzas.

Ontem fui assistir a uma peça de teatro. Sofrível. Um texto péssimo (de adaptação da própria trupe, então culpa deles sim) daqueles em que os atores ficam narrando em vez de encenar, atuações entre medianas e risíveis (ok, ajudou o fato de que era um bando de ocidentais tentando se passar por taiwaneses), tentativas extremamente malsucedidas de encaixar canções no enredo e o mortal, pra mim - nem um pouquinho de esprit.

Mas acabou a peça e observei que uma das atrizes tinha sotaque brasileiro. Aí descobri que na verdade tínhamos vindo ver a peça porque a menina era amiga de uma das meninas (segunda vez que caio nessa), e logo havia outras pessoas que notaram que conheciam a menina - pois a comunidade aqui é cerradíssima.

Quando menos vi estávamos dando parabéns esfuziantes e eu estava fazendo comentários sobre a dificuldade do tema, que era necessário embutir muitas explicações históricas sobre as guerras e ocupações que nos são infamiliares - o que é evidentemente mentira, uma guerra é uma guerra, uma ocupação é uma ocupação, e a inserção de momentos explicativos num texto dramático é uma confissão de falha. Falha em transmitir a mensagem pelo meio em que, teoricamente, o grupo sabe o que está fazendo.

Fora da matilha, tive de me contentar com comentários engolidos, passados discretamente pra uma amiga que ao menos não ficaria consternada pela minha falta de solidariedade com o esforço alheio.

Acontece que uma obra de arte não pode ser avaliada pelo esforço do artista. Correndo o risco de se transformar em como aquela temporada do David Copperfield (ou o outro?, aquele negro) num tanque de gelo, que lhe rendeu mais três semanas no hospital. Pode ser um esforço impressionante - mágica, não é.

Vocês me mancam.

10.10.08

Um recomeço

Havia muitas maneiras de recomeçar. Uma defesa apaixonada daqueles que passam a vida trabalhando onze horas por dia, atravessada de considerações sobre a capacidade humana de a tudo se adaptar; uma explicação de certo mau gosto sobre o estado das finanças e como conseguirei finalmente viajar um pouco em novembro, sem gastar a mais que o planejado; uma confissão de fracasso simplesmente, que mal disfarçaria o retorno à confortável situação dos que têm o privilégio - no sentido francês da palavra - de trabalhar sentados.

Porém, como de costume, trapaceio.

***

Al Chavo del Ocho

Como explicar-lhes a alegria surda
de um mundo que permanece?
Onde as pessoas não se mudam,
não casam, e os meninos
são sempre meninos.
A antiga paixão, pouco nos importa
se é correspondida ou desdenhada,
diante da certeza de que amanhã,
ao acordarmos, ela ainda estará lá.

Queremos garantias
de que a moda é em vão,
de que a todos é permitido passar anos
com um único vestido, pobre ou rico,
como se nunca houvesse um evento planejado,
como se cada dia fosse igualmente
alegre ou triste, e cada noite
igualmente iluminada.

Exigimos que os vagabundos possam
permanecer vagabundos, que os
proprietários tenham sempre pena
e que todos os atropelamentos
não passem de imaginação das crianças.
Pedimos a abolição de toda morte
que não seja boato, que todos os que partem,
retornem, e que todas as viagens
sejam feitas, ao acaso, por todos.
Festejemos com barulho e cartas
todas as datas que não nos pertencem
e temamos juntos o depois de amanhã.

Quem mais que o menino pobre
terá sabido fugir e, como gato, voltar
à casa em que não temos nada? Quem melhor
terá sentido o toque macio das botinas
de latinoamérica, que vendedor
terá melhor se empanturrado sem pagar
e, súbito rico, trocado milhões
por meio sanduíche? Não importa,
pois amanhã tudo retorna:
voltarão a noite, a fome, o medo e o sereno.

(haverá sereno? Não sabemos,
pois não há chuva, e nem futuro:
não é preciso olhar para o céu)

3.10.08

Nada feito

Amanhã terei energia para um balanço da coisa toda. Hoje só digo que não deu certo meu teste, como em "eles esperavam alguém que realmente soubesse o que estava fazendo". E, a não ser que algum outro currículo distribuído semana passada se transforme num telefonema, creio que não sairei de novo atrás de trabalho nessa área.

Fiz minhas contas e consigo viver com o que ganhei (o teste foi pago, óbvio) mais o que tenho - por mais esse mês e meio, e ficando novembro todo em casa de amigos.

Das coincidências

Ontem à noite saí com o ucraniano Dmitriy, ele queria saber sobre isso de associações estudantis e tal. Ele não me ligou até as oito como tinha dito, então fui pra casa e estava na cama lendo quando ele me telefona, umas nove e meia, e fala que vai prum bar com um amigo. Digo que não, que estou lendo e vou dormir, mas depois perco o sono e saio de casa pra ir num lugar que se chama Le Sympatique. Estão lá o Dmitriy, o amigo marroquino Amin e a irmã do Dmitriy, Lena. Ficamos mais um pouco e a Lena precisa ir pra trabalhar, então ela vai pra casa e logo depois nós três saímos.

O Amin quer ir no La Contrescarpe, onde o Dmitriy passa 9h de um dia normal. Ele não se opõe então vou seguindo mas quando chegamos digo que não tenho muita vontade de voltar lá, e o Amin diz que entende e então vamos para um lugarzinho libanês com sanduíches. Comemos e discutimos sobre como eu poderia passar por um marroquino mas não o Dmitriy e os dois poderiam passar por brasileiros, eles perguntam um pouco sobre raças e classes sociais no Brasil e o Amin precisa ir, então vamos com ele até a Place Monge, não sem antes passar no La Contrescarpe e conversar com o Mauro, aquele outro garçom, argentino que sonha em ser músico mas ainda tem de servir mesas mais duas horas do dia. De dentro do restaurante sai um garçom novo que não conhecemos e faz cara de curioso mas não vem conversar.

Vamos até a praça Monge e proponho ao Dmitriy ir tomar cerveja em casa por um quinto do preço de um bar. Compramos cerveja, ele diz que sua casa é mais perto e a única coisa é que sua irmã estará lá. Ele liga pra ela e falam francês, eu pergunto se sempre falam em francês entre si e ele me responde que sim, que a língua materna deles é russo mas que falam francês. Então falamos sobre a mãe que é contadora e está vindo morar com eles, e sobre como é morar com os pais e ele parece animado e dizendo que irá comprar um sofá-cama e que já calculou mesmo tudo, e eu digo que é a mãe que está vindo morar na casa deles e não o contrário.

Ficamos um pouco no banco do Boulevard Arago enquanto a Lena se prepara, pois ela acabava de sair do banho. Entramos no prédio, o apartamento é no térreo à direita, tem um banheiro e depois um só cômodo de uns 20m²: uma pequena cozinha na lateral, duas mesinhas de trabalho, muitas malas, roupa e livros, e uma escada para a cama-mezanino, onde não é nem mesmo possível ficar de joelhos. Ele me mostra os quatro metros quadrados centrais do cômodo onde ele pretende instalar o sofá-cama para a mãe, e explica que assim ela poderá ter uma cama só pra ela. Olho em volta e pergunto interessado se os dois dormem na cama-mezanino e ele diz que sim, mas que a Lena tem um namorado e quando ele precisa ele telefona e ela dorme na casa do namorado, e ela ri e responde que quando a mãe vier provavelmente ela vai dormir bem pouco em casa. Digo que o apartamento realmente é bom pelo preço e o Dmitriy me explica que demorou um pouco pra achá-lo e que dormiu na rua três dias antes disso, que passava as noites numa lanhouse, as manhãs procurando apartamento e dormia à tarde no metrô, onde é mais quente. Então quando chegou ao apartamento viu que era perfeito.

A Lena precisa trabalhar, de forma que pegamos nossas garrafas de cerveja, subimos a escada e ficamos sentados no colchão do mezanino, eles têm um gato que tem medo de mim mas está curioso e abrimos uma caixa de umas frutas que não conheço. Ele então pergunta da associação, explico como era na minha faculdade no Brasil e como é na Sorbonne, e ele me mostra que já pegou os e-mails de toda a sala e está mesmo empenhado, vai criar um grupo de e-mails ainda esta noite. Então ele pergunta sobre o Brasil, e sobre quão pobre é a população e respondo que a miséria é difícil de medir, que as pessoas no campo têm menos dinheiro mas podem até viver melhor e que nas cidades é mais complicado, mas há gente pobre que mora num lugar do tamanho do cômodo em que eles vivem, e ele pergunta se em várias pessoas e eu confirmo que em várias pessoas.

Falamos um pouco do Lula e da Revolução Laranja e ele me explica que quer aproveitar que a Ucrânia fica na Europa pra conseguir um estágio, talvez até na Comissão Européia, ele fala inglês e alemão e está tendo aulas de espanhol, e eu falo sobre como funciona a OMC e ele diz que também pensou nisso pois a Ucrânia agora está na OMC. Ele explica que não fala ucraniano muito bem e que a língua materna dele é mesmo russo então precisaria se esforçar, e eu respondo que na OMC provavelmente ele quase não falará ucraniano e que o mais importante pode ser a língua materna ser russo pois não deve haver muitos não-russos que falam tão bem assim o russo e a Rússia está em processo de acessão. Então ele diz que tudo o que quer é garantir que não trabalhará como garçom no ano que vem pois já está no terceiro ano de faculdade e não quer fazer isso a vida toda.

É tarde e o Dmitriy ainda precisa digitar a lista de e-mails dos colegas da sala, então saio, pego uma bicicleta e aproveito o horário pra voltar pra casa num atalho que é contramão. Levo pensamentos estranhos na cabeça.

2.10.08

O que eu não disse

Eu não disse que na terça, poucas horas antes de escrever a última mensagem, eu fazia entrevista num outro restaurante, o Au Père Louis, na rua Monsieur le Prince - uma rua longa como poucas por aqui, ligando o festivo Carrefour de l'Odéon à região do Panthéon e da Sorbonne. Rua estreita, cercada de pequenos prédios e sem horizonte visível, onde se concentram restaurantes japoneses e barzinhos universitários.

O turno é das 19h à meia noite (jornada de cinco horas, e não de nove - 17h às 2h), e sexta e sábado fica-se até a uma (e não até as quatro, jornada de seis horas em vez de onze). Ganha-se não tão menos assim, certamente cada hora é muito mais bem-paga. Meu teste é sexta-feira.