24.2.07

Onde poderia ter começado

[ um aparte: o texto sobre a modernidade, os estílos, a autoria e blablablá caminha para se tornar de um texto sobre o Fábio Aristimunho Vargas em um texto com o Fábio Aristimunho Vargas - um pouco como os americanos dizem aos filhos sacaneados na escola que não estão rindo deles, mas com eles. Vai com certeza perder em ímpeto e desregramento, mas em compensação ganhar em propriedade, profundidade e erudição. Aguardem - ou não ]

Torna-se subitamente apropriado retomar, como mito fundador ao estilo de um Mayflower, de Rômulo e Remo ou do Grito do Ipiranga (ou Cabral?, ou Tiradentes?, enfim, escolham aí um apenas para completar a regra de retórica e incluir um elemento patriótico, ilusoriamente colocando o Brasil como cenário de estudos futuros de grande significação), o que poderia ser considerado o meu primeiro poema de verdade - atirando assim Estilhaços para uma vala comum do mero corriqueiro conjuntural, junto com o escravismo, a exploração colonial e arranjos políticos imediatistas.

Depois dizem que a estória não é escrita pelos vencedores, pois agora temos especialistas discutindo nesse espaço imparcial de trocas culturais que é a Universidade Moderna - onde andam em alta as ciências exatas, fenômeno que é objeto de críticas intensas e ferozes dos defensores da cultura e do pensamento independentes que o Iluminismo nos legou. Melhor parar aqui que as conseqüências são graves, mas quem encaixar o verbete University com o resto da estória poderá chegar às próprias conclusões, livres, independentes e imparciais.

Curiosamente, este poema foi rejeitado pela poderosa editoria da revista PHOENIX XVIII - por sinal, ana rüsche anda falando dessa pequena desincubadora de poetas - em favor de um conto bukowskiano, que você inclusive pode ler lá embaixo. Escolha provavelmente acertada, não em função do pequeno nascituro, que cairia bem como testemunho da imaturidade, mas do resto dos rejeitos, a chamada água do banho.

***

escrevo.

no dique de sangue
tampo o buraco com o dedo
pelo lado de dentro
.

14.2.07

Um Zorro

A veia poético-pagodeira, a recente leitura candeiana (seria sacanagem dizer que o que segue tem alguma culpa do rapaz) e a preguiça falaram mais forte. Com o que vocês serão poupados por mais algum tempo de um texto pouco tragável sobre a modernidade. Meanwhile, vejam só, minhas tardes andam rendendo, além de contratos, idéias. Mas, como dizia Mallarmé...

***

Um Zorro

Seu herói americano
na sala do ilusionista
além do vilão avista
vários vasos de Pequim.

Nalgum deles, ele sabe,
mora o destino do mundo.
Os outros são só disfarce
são obra do Mandarim.

O vilão vai empurrando
pela sala aquelas urnas
e nosso herói se desdobra
pelos vasos de festim.

Cria braços de borracha
joga a jaqueta de couro
salta, corre e lê a Bíblia
só pra evitar o fim!

Não sou um desses, tá vendo?
Eu mal levanto da mesa,
não morro pelo planeta,
não ligo de ser ruim.

O planeta que se cuide
não dou nem assinatura
tô tomando minha breja
sentado no botequim.

Essa daí não me engana
não arranca minha grana
nem se vier com o Papa
nem se Deus chegar pra mim.

Por que que esse Deus não acaba
com os conflitos do Iraque
chove fogo que nem antes
ou faz uma coisa assim?

É que o mundo ficou grande
fizeram corporações
Antes até que era fácil
Mandava-se um querubim.

Matava logo uma dúzia
e problema resolvido.
queimava duas cidades,
expulsava do Jardim.

A gente ganhou a briga
fez países e tratados
enforcou líderes bárbaros
tudo passado a nanquim.

E se ele achar que pode
venha aí tentar a sorte;
Deus não precisa de herói
Deus não precisa de mim.

.

11.2.07

Camaleões confusos

Respondo logo a pergunta: é o Fábio Aristimunho, poeta paranaense, mais que isso, iguaçuense, radicado em São Paulo e companheiro já de uns anos nos caminhos da poesia. Pra quem não conhece, três poemas antes da diatribe, pra dar uma respirada.

1.

BOCA & PLÁGIO

Barangueiro
(até) de idéias:
não fale perto
senão eu cato.

2. (pequenas inconfidências)

(vii)
a propósito dos Diários de Motocicleta

Uma vez, do alto da serra,
baixou um quixote pop,
que constelou uma geração de feitos, de causas.
Mas (caído de si) não esperou pelo último sono
na terra dos sonhos - que pena.
Ficou só o da garupa
a desatrelar rocinantes.
Pra ele sim, bem feito: a vida numa ilha.

3.

Antes: uma perspectiva
calcada em palavras surdas,
ainda que óbvias.
Em segida, o alívio mútuo
pela ingenuidade ilesa.

Abortamos, no fim, mais
de nós mesmos que o diálogo,
preferindo
o erro espontâneo do verbo
a uma vírgula interposta.

***

8.2.07

Mimesis e Poiesis

O post abaixo demonstra um pequeno prazer e uma pequena fraqueza (coisas tão diferentes) meus: quando leio alguém de que gosto, ou de quem, mesmo não gostando, ouço falar bem, tendo a criar um ou dois poemas mimetizando a novidade.

O curioso é que sei que não parece bem. As palavras para descrever vão de diluidor pra baixo. Onde está a originalidade? Queremos invenção! Não tem talento, vá fazer outra coisa. É assim que aprendemos a sermos nós mesmos, que a poesia precisa ter algo de nós.

Mas ninguém estranharia um pintor que ficasse uns anos oscilando entre os renascentistas, os expressionistas e os surrealistas; ou um músico que passasse dias trancado até acompanhar perfeitamente um disco de Miles Davis ou Thelonious Monk; existem artes, a dança e o teatro, cuja própria essência consiste em reproduzir com precisão aquilo que foi criado ou pensado por outros.

Por que, então, isso parece fraqueza quando falamos de poesia?

Desconfio que pelo mesmo preconceito que diz que, para escrever poesia, basta ter sentimentos e comunicar-se em alguma das línguas faladas pelos povos do mundo; e nem é preciso comunicar-se muito bem.

Em tempos relativistas, difícil negar a idéia acima. Mas a conclusão lógica dela é de que a diferença entre Pessoa e você é que ele é um gênio; um luminar que compreende a grande fagulha pela qual você passa batido todos os dias na saída do elevador. Vinicius é um espírito elevado cujo pensamento flui como se tocasse harpa, e Cabral um construtor natural de monstruosidades lingüísticas. Hilda é a essência do feminino em ebulição. Etc.

Nessa passagem, anula-se todo o trabalho de martelamento de linguagem feito por esses poetas. A poesia, na contramão de Mallarmé, sobe das palavras para as idéias. Torna-se ridícula a imitação, porque imitar as idéias geniais de Pessoa e Drummond é absolutamente impossível. Você precisa ter idéias novas. Você tem?

Mas, como já devem ter notado, eu não concordo. Acho que, embora seja louvável a atitude de alguns de manter seu próprio estilo e assim criar inclusive um nicho de mercado - algo extremamente apreciado -, essas pessoas são o equivalente literário do Iron Maiden ou AC/DC. Podem escrever 10 livros iguais, e os fãs desprezarão aqueles que se aventuram para fora do verdadeiro roquenrou. E quem então ousará se opor a metade dos moleques entre 13 e 17 anos da América Latina? Metal é o que pega! Não sei nem como no rádio só toca Red Hot...
(vale um pouco a leitura do Manifesto da Poesia Alheia)

Preconceitos pessoais à parte, notei contudo que tem um poeta contemporâneo que conheço bem e em quem absolutamente não saberia nem o que mimetizar. E o mais interessante é que ele tem por proposta exatamente a falta de originalidade. No próximo número, digo quem é.

5.2.07

à moda do Del

Bem, já que há clamor pela volta dos posts, aqui vai um. O disclaimer é: trata-se de um exercício em cima do livro "Uma dose de cortisol e uma porção de serotonina", do Del Candeias. O poema não tem relação direta com fatos reais e qualquer semelhança será mera confidência, ops, coincidência. Tampouco o considero representativo da minha própria produção, embora isso de pouca utilidade seja contra a sua existência eletrônica, para ser passado e repassado. Aliás, descobri que o poema do Na verdade não sou poeta já andou rodando, de forma que pouco adianta esconder as coisas no mundo virtual. São essas que pegam, né?

***


à moda do Del



Te encontrei já escassa.
Como o resto da picanha mais suculenta
ainda incomodando entre dois dentes.
A borra da melhor safra toscana
amarrando a língua dos garçons depois do expediente.

Mas nada que mereça
horas de exame no espelho
ou choros de manhã seguinte.

Essas coxas, garanto, faziam furor ainda
passando em frente a qualquer construção
e o rosto, tão superior,
deixava loucos todos esses moleques
querendo qualquer coisa que pareça saída duma TV.

E atrás desses óculos espelhados
não é que não tenha nada.
(você não era burra)
É um pouco pior.

Tem aí uma criatura estragada
por anos de elogios falsos,
por tantos bêbados
querendo enfiar o pau em qualquer lugar,
que sublimou a própria graça de menina
(você também não tava velha)
numa cara de nojenta
e parece o tempo todo dizer:
“Não quero dar pra você.”

Fez até suas próprias regras
de dona do próprio corpo.
Não ficava antes das duas,
nunca depois das quatro
nem com menos de meia hora de xaveco.
As amigas já sabiam: aquela se valorizava.
E por dentro ia morrendo,
davam longas risadas.

Não se preocupe.
Não foi sua culpa.
E pra não despedaçar
pode acusar sempre uma inveja
que na verdade eu te queria mais.
Eu não ligo
pode espalhar
você ainda era bonita.

Bela e farinhenta
como uma maçã argentina.