16.4.07

Minha marca no mundo

"Tan ineptas me parecieron esas ideas, tan pomposa y tan vasta su exposición, que las relacioné inmediatamente con la literatura; le dije que por qué no las escribía. Previsiblemente respondió que ya lo había hecho"

- Borges, El Aleph

12.4.07

Uma complementação

1.

"En resolución, él se enfrascó tanto en su letura, que se le pasaban las noches leyendo de claro en claro, y los días de turbio en turbio; y así, del poco dormir y del mucho leer, se le secó el celebro de manera que vino a perder el juicio. Llenósele la fantasía de todo aquello que leía en los libros, así de encantamentos como de pendecias, batallas, desafíos, heridas, requiebros, amores, tormentas y disparates impossibles; y asentósele de tal modo en la imaginación que era verdad toda aquella máquina de aquellas sonadas soñadas invenciones que leía, que para él no había otra historia más cierta en el mundo."

(Cervantes)

2.

"Isto feito, começou um estudo aturado e contínuo; analisava os hábitos de cada louco, as horas de acesso, as aversões, as simpatias, as palavras, os gestos, as tendências; inquiria da vida dos enfermos, profissão, costumes, circunstâncias da revelação mórbida, acidentes da infância e da mocidade, doenças de outra espécie, antecedentes na família, uma devassa, enfim, como a não faria o mais atilado corregedor. E cada dia notava uma observação nova, uma descoberta interessante, um fenômeno extraordinário. Ao mesmo tempo estudava o melhor regímen, as substâncias medicamentosas, os meios curativos e os meios paliativos, não só os que vinham nos seus amados árabes, como os que ele mesmo descobria, à força de sagacidade e paciência. Ora, todo esse trabalho levava-lhe o melhor e o mais do tempo. Mal dormia e mal comia; e, ainda comendo, era como se trabalhasse, porque ora interrogava um texto antigo, ora ruminava uma questão, e ia muitas vezes de um cabo a outro do jantar sem dizer uma só palavra a D. Evarista.

(...)

Simão Bacamarte refletiu ainda um instante, e disse:

- Supondo o espírito humano uma vasta concha, o meu fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é a razão; por outros termos, demarquemos definitivamente os limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só insânia."

(M. de A.)

5.4.07

Traduções português-português

Dei-me conta de que meu poema favorito do Leminski é esse do último post. Aquelas coisas que você queria ter escrito. Na idéia do Paulo Ferraz de fazer traduções português-português, arrisquei uma. O resultado segue. Boa Páscoa!

***

.....uma angústia bem-cuidada
é coisa que impõe respeito
.....dá um pendor diferente
de quem, parecendo sem jeito,
.....acaba sempre na frente

.....uma tristeza sem volta
funciona como um tesouro
.....quatro estrelas, cem mil em ouro
é uma fortuna no peito

.....pílula droga do amor
remédio nenhum me interessa
.....já pus tudo no papel
essa angústia é o que me resta

4.4.07

Contrapontos

1. Ana C.

POUR MÉMOIRE

Não me toques
nesta lembrança.
Não me perguntes a respeito
que viro mãe-leoa
ou pedra-lage lívida
ereta
na grama
muito bem-feita.
Estas são as faces da minha fúria.
Sob a janela molhada
passam guarda-chuvas
na horizontal,
como em Cherboirg,
mas não era este
o nome.
Saudade em pedaços,
estação de vidro.
Água.
As cartas
não mentem
jamais:
virá ver-te outa vez
um homem de outro continente.
Não me toques,
foi minha cortante resposta
sem palavras
que se digam
dentro do ouvido
num murmúrio.
E mais não quer saber
a outra, que sou eu,
do espelho em frente.
Ela instrui:
deixa a saudade em repouso
(em estação de águas)
tomando conta
desse objeto claro
e sem nome.

2. Leminski

.....um homem com uma dor
é muito mais elegante
.....caminha assim de lado
como se chegando atrasado
.....andasse mais adiante

.....carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
.....uma coroa um milhão de dólares
ou coisas que os valha

.....ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
.....ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser minha última obra


***

redigitar é tão mais produtivo que copiar e colar...

E, pra uma amiga, Rilke, que não tinha entrado na história:

Rose, oh reiner Widerspruch, Lust,
Niemandes Schlaf zu sein unter soviel
Lidern.

Rosa, oh contradição pura, deleite,
ser o sono de ninguém sob tantas
pálpebras.

Como curiosidades na busca de tradução, (i) Wilderspruch seria algo como 'provérbio selvagem'; (ii) as traduções normalmente usam o termo 'desejo' ou 'volúpia' para Lust, mas parece que 'Lust' em alemão (ao contrário do que ocorre em inglês) não tem conteúdo de vontade, nem sexual (Verlangen), então seria mais o caso de 'deleite'; (iii) usam também, geralmente, 'pétalas' para 'Lidern', embora não haja nenhuma correlação específica exceto se você tiver em mente a rosa - ou seja, a metáfora fica explicitada e se perde ao mesmo tempo, como costuma acontecer; (iv) chegam a escrever 'Rosas', na idéia do tradutor/criador; e (v) eliminam, como tradutor/corretor a vírgula depois do 'Lust' - será uma exigência incontornável da gramática tedesca?, mesmo se for, deve haver maneira de dizer isso na ordem direta em alemão, e portanto sem sentido a revisão dos nossos zelosos tradutores - e colocam uma partícula 'de', assim: 'desejo de ser o sono de ninguém', às vezes inclusive colocando 'Lust' no segundo verso. Desavergonhadamente.

3.4.07

Bom senso e bom gosto

Balzac, trad. minha:

"Duas figuras ali formavam un contraste fulminante com a massa de pensionários e freqüentadores. Ainda que a senhorita Victorine Teillefer tivesse uma brancura adoentada semelhante à das jovenzinhas atacadas de clorose, e que se juntasse ao sofrimento geral que servia de fundo a esse quadro por uma tristeza habitual, por uma presença incomodada, por um ar pobre e agudo, ainda assim o rosto não era velho, os movimentos e a voz eram ágeis. Essa jovem infeliz lembrava um arbusto de folhas amareladas, plantado com frescor em terreno inóspito. A fisionomia avermelhada, os cabelos de um loiro tostado, o corpo esbelto em demasia, exprimiam aquela graça que os poetas modernos encontravam nas estatuetas medievais. Seus olhos cinzentos mesclados de negro exprimiam uma doçura, uma resignação cristãs. As roupas simples, pouco custosas, traíam formas jovens. Era bonita por justaposição."
E essa não tinha nem trinta.

1.4.07

As palavras

1. O Houaiss

zangão s.m. (1609 cf EtOr) 1 ENT macho das diversas spp. de abelhas sociais, esp. da abelha-européia, caracterizado pelo porte superior às operárias e ausência de ferrão; abelha-macha [Alheio às atividades de manutenção da colméia, não produz mel e possui apenas papel reprodutor.] 2 ENT B m.q. MAMANGABA ('abelha solitária') 3 (1622-1682) p. metf. (da acp. 1) pej. indivíduo que vive a expensas de outrem, ou explorando de forma constante benefícios ou favores alheios; parasita 4 p.ext.pej. pessoa que provoca importunação, incômodo; indivíduo maçante, enervante 5 vendedor de estabelecimento comercial ou industrial em determinada praça; pracista 6 m.q. ZÂNGANO 7 P corretor fraudulento 8 B operador não credenciado em bolsas de valores 9 BA indivíduo que representa ou dirige hotéis e pensões -> var.ger.: zângão ~ GRAM pl.: zangãos e zangões ~ETIM prov. de uma onom. zang relacionada ao zumbido do insteto (cp. esp. zángano); do rad. do nome do inseto surgem der. ('zanga, zangar etc.) com acp. ligadas a diferentes características atribuídas ao zangão: não trabalhar, ser sustentado pelos demais membros da colméia, incomodar, ser inútil; zumbir, ameaçar, picar e causar dor, perturbação, aborrecimento; andar sobre pernas longas e bamboleantes ou, pelo porte maior, deslocar-se em vôos curtos, em torno de um ponto e sem rumo certo etc. ~ SIN/VAR zângão; ver tb. sinonímia de parasita

2. Drummond (o irmão mais novo)

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?