31.7.08
28.7.08
É tarde é tarde é tarde
***
Como Chateaubriand
Um quadro de Degas. Cortinas
e um pouco de sol. Os relógios
esparsos pelo chão ensinavam
sobre dias da semana. Lembrávamos
de pequenas batalhas por espaços imaculados no teu corpo, e ainda
e ainda estávamos vivos. Já todas as apostas
haviam se encerrado, e nem tínhamos
pensado numa boa canção. Apenas cantávamos.
Um quadro de Degas, ou outra coisa
ainda menor. Um espaço na calçada
e dedos que escorregam. Aquela foto
da Simone, eu pensava. Aqui parece Paris.
Podia ser qualquer lugar.
Um quadro apenas, ou então a cômoda,
o espelho espalhado em triângulos,
tanto tempo extraído do armário.
Uma ilha para pés descalços
e costas de bailarina.
23.7.08
Como resposta
(ii) Sobre o sacrifício, não é - no caso - uma questão de crença, é uma questão de observação. Ou eu passo a impressão de que escrevo pra mim mesmo?
(iii) O ponto (ii) não diz o que quer dizer. Tentarei explicar, claudicando como de costume, numa próxima.
(iv) Aparentemente, sou tão fácil de anestesiar como um cavalo. Isso não quer dizer nada de bom, só que o tratamento será mais longo e doloroso, sem dar melhores resultados. E contudo há um certo orgulho nisso, não há? Precisarei remexer nesse assunto também.
22.7.08
A impossibilidade de prosseguir
"e recitei os dous versos, cada um a seu modo, um languidamente:Oh! Flor do céu! Oh! Flor cândida e pura!
e o outro com grande brio:
Perde-se a vida, ganha-se a batalha!A sensação que tive é que ia sair um soneto perfeito. Começar bem e acabar bem não era pouco. Para me dar um banho de inspiração, evoquei alguns sonetos célebres, e notei que os mais deles eram facílimos; os versos saíam uns dos outros, com a idéia em si, tão naturalmente, que se não acabava de crer se ela é que os fizera, se eles é que a suscitavam. Então tornava ao meu soneto, e novamente repetia o primeiro verso e esperava o segundo; o segundo não vinha, nem terceiro, nem quarto; não vinha nenhum.(...)Trabalhei em vão, busquei, catei, esperei, não vieram os versos. Pelo tempo adiante escrevi algumas páginas em prosa, e agora estou compondo esta narração, não achando maior dificuldade que escrever, bem ou mal. Pois, senhores, nada me consola daquele soneto que não fiz. Mas, como eu creio que os sonetos existem feitos, como as odes e os dramas, e as demais obras de arte, por uma razão de ordem metafísica, dou esses dous versos ao primeiro desocupado que os quiser. Ao domingo, ou se estiver chovendo, ou na roça, em qualquer ocasião de lazer, pode tentar ver se o soneto sai. Tudo é dar-lhe uma idéia e encher o centro que falta."
Priest: "Michael Francis Rizzi do you renounce Satan?"Michael Corleone : "I do renounce him."Priest: "And all his works?"Michael: "I do renounce them."Priest: "And all his pomps?"Michael: "I do renounce."
20.7.08
Um certo passado pop - (I)
"I do not know what, precisely, Laura said [to Liz], but she would have revealed at least two, maybe even all four, of the following pieces of information:
1) That I slept with somebody else while she was pregnant.
2) That my affair contributed directly to her terminating the pregnancy.
3) That, after her abortion, I borrowed a large sum of money from her and have not yet repaid any of it.
4) That, shortly before she left, I told her I was unhappy in the relationship, and I was kind of sort of maybe looking out for someone else.
Did I do and say these things? Yes, I did. Are there any mitigating circumstances? Not really, unless any circumstances (in other words, context) can be regarded as mitigating. And before you judge, although you have probably already done so, go away and write down the worst four things that you have done to your partner, even if - especially if - your partner doesn't know about them. Don't dress these things up, or try to explain them; just write them down, in a list, in the plainest language possible. Finished? OK, so who's the arsehole now?"
19.7.08
Descontextualizações - (I)
"Pero, puesto caso que corran igualmente las hermosuras, no por eso han de correr igualmente los deseos, que no todas hermosuras enamoran: que algunas alegran la vista y no rinden la voluntad; que si todas las belezas enamorasen y rindiesen, sería un andar las voluntades confusas y descaminadas, sin saber en cuál habían de parar, porque, siendo infinitos los sujetos hermosos, infinitos habían de ser los deseos."
18.7.08
A escolha das palavras - (I)
"Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuía um só argumento: limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirmar, e ele não formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando."
15.7.08
Kafka e a língua tcheca (esboço sobre o erro)
11.7.08
10.7.08
[geraldo diz]
Oi,
Estou quase, embora não plenamente. Isso acho que nunca estaremos. A partir de segunda devo poder ser parte do mundo. Mas por um tempo que me parece pouco, apesar de 12h já terem um pouco me acordado para o deserto do real (porém, como disse, não plenamente, como quando o sonho é tão inaceitável que você se diz que é preciso tentar acordar, e sente inclusive a impotência nos pulsos, mas não consegue contraí-los nem mandar embora os fantasmas).
Sinto que há novidades, mas não as compreendo. Li teu diálogo com o Daud. Bonito, não tinha pensado no exemplo do novo shopping. Talvez porque o impensável permaneça mesmo impossível.
Acho que vou postar isto.
Beijo
7.7.08
O flamenco e o tango
Eu ia começar com uma citação. Não se desesperem contudo, não era nada que fosse necessário saber ou que fosse fazer bonito na Vila Madalena – inclusive lá no alto, onde ainda nos cremos seguros liderados por um prosador pop, mal sabemos. Era uma citação da Glória Kalil ou da Danuza Leão, ou de qualquer outra dessas pessoas que se lêem na casa dos outros. Ia como assim: "Mulheres mais jovens devem evitar acessórios em dourado, batom e maquiagem em tons fortes, que podem ser usados por mulheres mais maduras. Nas meninas, deve sobressair a beleza; nas mais velhas, a elegência."
Mas lógico que procurando "beleza" e "elegância" juntos no google, encontro milhares e milhares de artigos com as duas palavras associadas, e nunca em relação de oposição. É preciso uma sensibilidade de mulher de meia-idade para separar coisas que o turbilhão das delícias quer nos fazer engolir numa só colher. E isso mesmo levando em conta a generalização generosa feita pela colunista, no caso, porque há algo de verdade muito forte no que ela diz.
E é claro que transpor essa relação para as sociedades é uma aventura muito perigosa, porque é incorrer num erro do século dezenove. Posso dizer contudo que, dadas as condições atuais, é preferível estar errado com o século dezenove do que estar certo com o século vinte - assim como se deve ponderar bem a irrazoabilidade do século vinte antes de mergulhar no razoável século vinte e um. Aulas de contabilidade nunca foram para nós.
Porém a proposta é simples, e pode ajudar a responder a questão que ficou pendente, como sempre com uma frase pretensamente reveladora cuja função é menos definir do que passar adiante a dúvida : a Europa seduz pela acumulação; a América, pela nudez.
Em lugar da dançarina de flamenco e do casal de tango, eu poderia colocar o can-can contra a globeleza, as saias, vestidos, faixas e casacos contra a barriguinha de fora, o blazer contra o supino. Pra não entrar em arquitetura, tesouros nacionais etc. O que se vende de um país diz muito sobre o que ele é, embora não seja a mesma coisa que o que ele é. Ah, isso de jeito nenhum.
Daí as pessoas poderiam me lembrar da existência de Campos do Jordão, dos edifícios neoclássicos da Berrini ou da moda da superposição de roupas para me dizer que não é exatamente verdade. Deste lado, há no verão a Paris plage, com areia na borda do Sena, e na frente da prefeitura tem agora um 'bosque transitório' ou coisa assim: sobre o pavé, as árvores. Mas o resultado triste das sociedades que tentam exercer a função que não lhes corresponde na ordem das coisas equivale com precisão ao desastre da menina de doze anos dentro de uma meia arrastão e manchada de batom vermelho, ou ao das senhoras de biquini em Copacabana, quarentonas com os cabelos na cintura e etc. Lembram o que aconteceu quando povoaram de plátanos o Rio de Janeiro?
Acho que é isso o que eu quis dizer quando falei no estilo americano de um blog, contraposto ao estilo europeu. Sintomaticamente, vou ficando cada vez mais americano, isto é, mais nu e menos salpicado de acessórios para dar uma certa aura de antigüidade, como quem desiste de discutir o conceito de Aufhebung e pensa mais nas coisas que aconteceram na madrugada em que o metrô não fechou – e daí para pensar que é precisamente nesses interstícios em que as coisas não funcionam como estamos acostumados, quer dizer, como deveriam, que a natureza exata delas é revelada.
Sempre guardei esta citação para um texto maior e mais importante, mas como pode ser que ele nunca venha, solto aqui. Onde dessas duas regiões do mundo alguém poderia recitar assim:
« But you made me feel
yeah you made me feel
shiny and new »
***
P.S.: Acabo de ver a segunda mulher de barriga de fora em dois dias. É verão em Paris. Adivinhem que língua as duas falavam: